sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Hora do folhetim - 9

(...)
Lá no alto, por cima de si, o maçaricão ouvia as fracas vozes ciciadas das aves que se dirigiam do Árctico para outras paragens mais quentes. Nas margens dos charcos começavam a formar-se cristais de gelo. O instinto do maçaricão-esquimó proibia-o de voar sozinho. Porém, quando lançou à noite fria um chamamento estridente, ninguém respondeu. E era tempo de partir.
Elevou-se na aragem, procurou encontrar o ângulo mais favorável, com o bordo de ataque das asas levantado e o bordo de fuga descaído, até sentir finalmente a corrente ascendente. Na família das galinholas, o maçaricão tinha as asas mais bem adaptadas a um voo fácil e rápido; eram longas, estreitas, e graciosamente terminadas em ponta. Mesmo quando ficava parado, de asas abertas, no vento suave da noite, era transportado pela aragem como se não tivesse peso. Lançava-se agilmente para o ar com o impulso das pernas, dava duas batidas de asa para obter estabilidade de voo, e elevava-se quase sem esforço. Durante mais de um minuto subiu na vertical, até que a tundra quase desapareceu lá em baixo, no cinzento do crepúsculo. Depois manteve a altitude. A velocidade aumentou, e ele voava com batidas mais leves e mais lentas. O ar sibilava à sua volta e comprimia-lhe as penas contra o corpo. A viagem tinha começado. Mesmo o seu cérebro primitivo e simples sentia vagamente que o caminho indefinido, estendido diante de si através de dois subcontinentes, era um corredor da morte. Nele não havia misericórdia, apenas ameaças de tempestades, de inimigos, da própria morte. No entanto, antes de a tundra inóspita mergulhar na névoa do horizonte, o maçaricão pressentiu levemente que o impulso nupcial voltaria a chamá-lo no próximo ano. Ele havia de voltar a esperar pela sua fêmea, na primavera, quando os musgos e os líquenes do Árctico ficassem verdes outra vez.


O CORREDOR DA MORTE

... Apontamentos de Lucien Mc Shan Turner, até agora não publicados, sobre as aves da baía de Ungava...
Não vi nenhum maçaricão-esquimó, até à manhã do dia 4 de Setembro de 1884, quando estávamos a regressar da foz do rio Koksoak. Um bando enorme, de várias centenas de exemplares, voava em direcção ao sul...

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