quinta-feira, 17 de março de 2011

Riba-Côa - Geneta


Planeta-Mãe - 40

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Entretanto as populações dos países “ricos” continuam a fabricar toneladas de produtos de que os seus pais não tinham necessidade alguma: gadgets high-tech, automóveis “verdes”, armas de guerra, aviões de combate, mísseis, produtos financeiros, divertimentos… tantas coisas não vitais que os ocidentais continuam a produzir, sem terem que se preocupar com a sua sobrevivência alimentar. Pouco se preocupam mesmo com a origem dos seus alimentos, e com as condições em que eles foram produzidos. Têm outras preocupações, outras prioridades.
O nível de vida dos americanos não é negociável” declarou um dia G. W. Bush, numa conferência sobre o clima. A frase suscitou numerosas reacções. Mas não é seguro que os americanos sejam os únicos ocidentais que não desejam pôr em causa o seu modo de vida. Para não perder o que obtiveram, os ocidentais estão dispostos a tudo para não tirar a cabeça da areia: a realidade faz-lhes medo. Por exemplo, para continuarem a viver num mundo em que o automóvel faz parte do seu modo de vida e da sua identidade, estão dispostos a cultivar e a queimar milhões de toneladas de produtos agrícolas, enquanto milhões de seres humanos passam fome. Milhões de hectares de floresta tropical estão ameaçados no Brasil pela mesma razão, mas os reis do mundo dão lições de moral ecológica aos países em vias de desenvolvimento.
A conquista de terras cultiváveis no estrangeiro é um fenómeno mundial em expansão. Vai a par com a acentuação da miséria humana, nos países em que ela está instalada há muito tempo. Como dizia Coluche: “… apertem o cinto mais 5 anos; depois disso estarão habituados!” (…)
As nossas culturas intensivas deslocalizadas aceleram a erosão dos solos e a desertificação, esgotam e poluem os lençóis freáticos e os cursos de água. Fazem desaparecer milhares de espécies endémicas todos os anos. A sua extensão acelera a destruição de eco-sistemas naturais, tão preciosos como frágeis.
Todas estas práticas têm repercussões nas alterações climáticas e no aquecimento global do planeta. Milhões de hectares de monocultura intensiva de cana de açúcar, palma ou soja, não interagem com a atmosfera da mesma forma que os milhões de hectares de floresta primária que os precedeu.
Parece que assistimos a uma importante “tomada de consciência ecológica e humanista” desde há anos. Mas só se for nos discursos!
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domingo, 13 de março de 2011

Riba-Côa - Lontra


Hora do folhetim - 49

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Ele arfava de excitação, cantava alto, respirava profundamente fazendo inchar o pescoço e o peito, tufava a plumagem e estendia as asas, gracioso, sobre o dorso, até a fêmea o convidar a aproximar-se. Ela saltitava, de asas frementes, e fazia ecoar o penetrante apelo com que pedem alimento os pintaínhos que mal começam a voar. Ele avançava para ela, cerimonioso, de novo batendo fortemente as asas, quase parecia que andava pelo ar. Peito inchado contra peito inchado, o macho estendia o pescoço e alisava-lhe ternamente as penas castanhas, com o longo bico.
Isso durava alguns segundos, depois o macho afastava-se. Procurava uma minhoca, regressava junto da fêmea e colocava-lha suavemente no bico. Ela engolia-a. E as penas do pescoço ficavam de novo lisas, as asas paravam de tremer, tudo tinha passado. Até agora, este gesto de ser alimentado constituía o ponto alto do seu amor. Os corpos não estavam ainda prontos para o acasalamento.
Depois de cada uma destas manifestações amorosas, a tensão diminuía por algumas horas. Tratava-se de um expediente, mas eles ficavam satisfeitos. A união dos corpos só viria depois.
E avançavam continuamente para norte, vencendo algumas centenas de quilómetros por noite. O desenvolvimento sexual do macho decorria mais acelerado, ele estava já pronto para o acasalamento. O seu desejo tornara-se indomável, e passava quase todo o dia cortejando ardentemente a fêmea. Porém, de cada vez que lhe trazia alimento, a excitação dela diminuía, e tudo ficava por ali.
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sexta-feira, 4 de março de 2011

Riba-Côa - Toirão


Planeta-Mãe - 39

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Conquista de terras estrangeiras

Desde há alguns anos, a estratégia de conquista de terras cultiváveis nos países pobres tem conhecido um desenvolvimento vertiginoso. Numerosos países “ricos”, mas incapazes de prover as suas necessidades alimentares, fazem mão baixa das terras agrícolas dos países mais desprovidos, à custa de dólares.
Esta estratégia neo-colonialista não é nova. Começou a desenvolver-se no tempo colonial com as culturas do algodão, do açúcar, do café, do cacau. Se mudou a forma política e comercial, com a emancipação das colónias, o fundo manteve-se igual e continuou a desenvolver-se. As crescentes necessidades de forragens para o gado acentuaram esta tendência há uma dezena de anos, sobretudo através do desenvolvimento das culturas deslocalizadas de soja e milho. Este imperialismo agrícola conheceu nova aceleração com a decisão dos países ocidentais desenvolverem os agrocombustíveis. Com o agravamento da crise alimentar mundial, no início de 2008, a pressão dos países ricos sobre as terras dos países pobres cresceu ainda mais. Para alguns estados, trata-se agora de eternizar os seus aprovisionamentos em recursos alimentares.
Se os dirigentes dos países pobres obtêm muitas vezes vantagens pessoais nestas operações, esse não é o caso das populações locais. Os exemplos de dirigentes africanos, donos de pequenos castelos nas margens do lago Léman, do lado suíço onde estão domiciliadas as suas contas bancárias, são bem representativos das consequências desta vertente neo-colonialista ocidental, em relação aos países em vias de desenvolvimento. Em boa parte, estas fortunas constroem-se graças ao dinheiro dos contribuintes ocidentais, entregue sob a forma de ajuda humanitária aos países mais desfavorecidos. É forçoso constatar que uma parte destas ajudas é muitas vezes desviada para o bolso de certos dirigentes de regimes mais ou menos ditatoriais, pouco escrupulosos e mafiosos. Nós vemos, sabemos, mas toleramos. Porquê?! Porque subornar estes dirigentes é muitas vezes uma condição prévia para a abertura destes países às nossas actividades agrícolas, comerciais ou industriais. Estes países não são apenas excelentes fornecedores de recursos naturais baratos, são também excelentes clientes: os regimes totalitários compram-nos armas, know-how tecnológico… e até alimentos cultivados nas nossas estufas aquecidas. É tudo benefício!
Um exemplo recente ilustra bem este fenómeno. Enquanto a maioria da sua população luta todos os dias contra a miséria e a fome, o presidente de Madagascar ofereceu a si próprio, em 2008, um jacto privado, por 40 milhões de dólares. Nesse mesmo ano, ele assinou importantes contratos de venda de milhões de hectares de terras cultiváveis aos países desenvolvidos, especialmente à Coreia. (…)
Em Madagascar, milhares de pequenos camponeses foram espoliados das suas terras. Alguns tornaram-se assalariados das multinacionais agro-alimentares, produzindo alimentos baratos destinados à exportação para os países desenvolvidos. Outros camponeses que não foram recrutados para esta nova tarefa partiram, a engrossar as filas de população dos bairros de lata. Estes excluídos vivem essencialmente da mendicidade. As crianças aprendem a alimentar-se nas lixeiras.
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Hora do folhetim - 48

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11
Nas pradarias do Nebraska e do Dakota chegara o tempo das sementeiras. Monstros de aço, barulhentos como a rebentação do mar, andavam por aqui e por ali, sobre a lavrada, e faziam longos sulcos regulares. A maior parte das narcejas evitava as ruidosas máquinas e os homens que as conduziam. Pilritos-das-praias e pernas-amarelas interrompiam a busca de alimento e ficavam alerta, quando o lavrador estava ainda a cem metros de distância. À aproximação da máquina levantavam voo, gritavam estridentemente e fugiam. E só voltavam a poisar quando ela estivesse lá longe, a quilómetro e meio de distância.
Mas os maçaricões-esquimós não manifestavam qualquer receio. Ao longo da história do seu desenvolvimento, a espécie aprendera que não tinha necessidade de reacções complexas de medo. Possuía asas fortes e voo rápido. Os maçaricos podiam simplesmente ignorar um perigo ameaçador, pois escapavam com facilidade a uma raposa ou a uma ave de rapina, no último momento. Por esse motivo desaparecera a reacção de medo, como acontece a cada capacidade e a cada instinto que ficam sem utilização. Os pilritos confiavam numa apertada vigilância, e os maçaricões na força das suas asas.
Por isso seguiam de perto as ribombantes máquinas. Ao lavrar, elas punham a descoberto o rico alimento que constituíam as minhocas brancas e as lagartas.
Ao longo deste tempo, as suas gónadas tinham aumentado a secreção, de acordo com o ritmo fisiológico anual. O seu desenvolvimento estava exactamente adaptado à velocidade de deslocamento da primavera para norte. Tanto os seus corpos como a tundra deviam estar simultaneamente preparados para a construção do ninho e a postura dos ovos. A primavera era cada vez mais perceptível, aproximava-se do seu ponto alto, e com isso também as emoções das aves eram cada vez mais impetuosas. Com as altas temperaturas do corpo e os rápidos processos metabólicos, elas vivem, aliás, mais depressa e mais intensamente do que todas as outras criaturas. E, do mesmo modo, quando a época de acasalamento se aproxima, fazem a corte e amam com ardor e paixão mais agitados.
Agora o macho extravasava muitas vezes por dia os seus sentimentos, mostrava o seu amor à fêmea. A sua corte era agora muito mais impetuosa do que antes. Atirava-se de súbito para o ar, agitava as asas e cantava a sua clara e vibrante canção nupcial. Esta era mais melodiosa e doce do que em qualquer outra época do ano. Alguns segundos após, batia violentamente as asas e subia quase na vertical, arrastando as longas pernas, até atingir umas centenas de metros sobre a pradaria. Aí batia as asas e cantava de novo, para que a fêmea ouvisse, enquanto ela gorjeava e saltitava, excitada. Depois deixava-se cair de encontro a ela, recuperava baixo, subia de novo, e poisava finalmente a alguns metros de distância.
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terça-feira, 1 de março de 2011

Riba-Côa - Doninha

Planeta-Mãe - 38

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As «bio» tecnologias
O prefixo bio, à frente das tecnologias, é um belo símbolo de modernidade e de progresso, não é verdade?! Os agricultores poderiam em breve ter o direito de as cultivar em França, como é já o caso de numerosos países. Entretanto importamo-las às toneladas todos os anos, especialmente sob a forma de soja, destinada ao gado. Mas o que é de facto um OGM? Afinal as plantas geneticamente modificadas são prejudiciais à saúde?
Os OGM são Organismos Geneticamente Modificados. Se hoje nada permite provar cientificamente o seu perigo para a saúde humana, nada prova também que sejam inócuos a curto, médio ou longo prazo. No estado actual dos nossos conhecimentos, teríamos mesmo razões para pensar que estas manipulações genéticas serão um dia prejudiciais ao ambiente e à nossa saúde.
Como muito bem explica Gilles Eric Séralini no seu livro “Geneticamente Incorrecto”, quanto mais avançam as pesquisas sobre o genoma, mais se descobrem fenómenos que nós não compreendemos. Daí até os dominarmos é ainda uma outra história. Um gene pode ter várias funções diferentes, segundo a parte do corpo em que se encontra, e o seu lugar na molécula do ADN. Um gene pode igualmente sofrer mutação ou mudar de função, sem que saibamos porquê e como.
O prião das vacas loucas é um exemplo deste tipo de mutação inexplicada: um gene da mielina, uma proteína constituinte do tecido nervoso, sofreu mutação provocando a degenerescência desse tecido nos animais atingidos. Por que razão o gene mutou em certos animais e não noutros? Não sabemos. Porque é que um gene é estável durante 5, 10, 15 anos… e depois pode sofrer mutação brusca, deslocar-se, mudar de função? Não sabemos. (…)
Os cancros são cada vez mais suspeitos de ter como origem uma mutação, ou mudança de função dum gene. Esta mudança explicaria o funcionamento “degenerescente” da célula cancerosa, que conduz à formação de tumores. Esta teoria parece tanto mais provável quanto ela explicaria o aumento dos cancros nos países desenvolvidos. Mas sobre isto fica uma pergunta sem resposta. As células reproduzem-se por divisão: uma célula-mãe cresce e divide-se, para dar origem a duas células-filhas idênticas à mãe. Como aparece a primeira célula cancerosa? Não sabemos. O que é que permite a uma célula sã dar origem a duas células-filhas cancerígenas? Não sabemos. É por esta razão que, dum ponto de vista estritamente científico, a origem dos cancros não é reconhecida. Esta ignorância tornou-se um argumento de defesa para os lóbis da química: o laço de causa/efeito entre a presença de produtos químicos no nosso corpo, e o desenvolvimento de doenças degenerativas não está estabelecido cientificamente. Não tendo o argumento do bom-senso mais peso científico do que jurídico, a indústria agroquímica continua a recolher biliões de benefícios… da dúvida. É esta mesma lógica que os industriais procuram impor com os OGM.
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