sexta-feira, 21 de maio de 2010

Hora do folhetim - 25

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O maçaricão sabia que, por detrás da faixa de costa com praias e estuários de rios, havia mangais pantanosos. Eles estendiam-se ao longo de 250 quilómetros, e poisar neste emaranhado era tão difícil como fazê-lo no mar alto. Assim, quando clareasse, teriam que continuar a voar em frente, até atingirem os Llanos relvados da Venezuela. As asas tinham-se tornado pesadas, mas o maçaricão ganhava altura para poder ultrapassar os montes costeiros. Era um tormento. Atravessaram os montes e o cansaço mantinha-se, crescia de repente em guinadas agudas, e fazia vibrar cada fibra dos seus pequenos corpos.
A noite estava escura como bréu. Até que a manhã rompeu finalmente, não com amarelos e vermelhos, mas com uma luz turva e cinzenta. Por baixo deles a terra era húmida e lamacenta, atravessada por rios largos, como a tundra na primavera. Tão longe quanto podiam ver, na luz cinzenta da manhã, estendia-se em todas as direcções o extenso vale do Orinoco. E continuava a chover.
O bando tinha voado quase sessenta horas seguidas, sem descanso nem alimento. Das terras da neve e da luz árctica, chegavam agora a um lugar que ressumava da exuberante vegetação dos trópicos. Diante deles havia centenas de quilómetros de terras pantanosas e de planícies cobertas de capim. Era um formigueiro de insectos, alimento mais que suficiente, que só os meses de chuvas contínuas dos trópicos podiam produzir.
O dia ficara um pouco mais claro, com uma luz matinal fosca. O maçaricão abriu as asas rígidas e mergulhou quase em picada. Deixara para trás a vastidão dum continente, desde a última vez que as suas asas tinham estado inactivas. As tarambolas seguiram-no e o bando poisou.
Nenhuma ave descansou, pois antes de mais era preciso comer. Durante cinquenta e cinco horas tiveram os estômagos vazios, tinham voado quase cinco mil quilómetros e consumiram toda a gordura que tinham acumulado no Lavrador. Dela não restava agora um único grama. Em menos de três dias, as aves tinham perdido entre 10 a 15 por cento do seu peso. Só o facto de elas serem os mais económicos consumidores de energia de todo o reino animal lhes possibilitava tal voo. Para atravessar o oceano, cada ave tinha queimado sessenta gramas de gordura. Com tal consumo de energia, um avião de meia tonelada voaria 250 quilómetros com cinco litros de combustível, em lugar dos habituais trinta e cinco.
Só descansaram depois de terem comido. Nas vastas savanas do Orinoco havia grande abundância de alimento. Assim, antes de cair a noite tropical, as aves comeram ainda uma segunda vez, durante várias horas.



O CORREDOR DA MORTE

Este é o oitavo boletim do Museu Nacional dos Estados Unidos, sobre a vida das aves norteamericanas, por Arthur Cleveland Bent.
Ordem: Limicolae. Família: Scolopacidae... Numenius borealis, maçaricão-esquimó... Não há dúvida de que foram sobretudo os abates excessivos, durante as viagens migratórias e durante o inverno na América do Sul, os responsáveis pela sua extinção. Não acredito que esta espécie tenha sido apanhada no alto mar por uma monstruosa catástrofe, que a tenha dizimado. O maçaricão possuía asas poderosas, e podia escapar a grandes tempestades, ou podia evitá-las. Além disso a sua época de migração era tão prolongada que uma só tempestade não poderia exterminar toda a espécie. Nada aponta para doenças, ou para a redução do seu alimento habitual. Há uma causa única, ele foi aniquilado pelos homens: no verão e no outono, no Lavrador e na Nova Inglaterra; no inverno, na América do Sul; e, pior que tudo, na primavera, desde o Texas até ao Canadá. Eles eram tão mansos e confiantes, tão apegados aos seus companheiros de viagem, que foram abatidos em massa, vítimas fáceis da carnificina. Estas delicadas aves deixavam atrás de si, por todo o lado, um verdadeiro corredor da morte. E ninguém mexeu um só dedo para as defender, até ser demasiado tarde...

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