(...)
Maio ia a meio. A ondulante planície canadiana, lavrada de fresco, fumegava ao sol. Os maçaricões seguiam de perto a máquina enorme, que ribombava como a rebentação do mar. As minhocas eram gordas, e, antes de eles as engolirem, ficavam alguns segundos ao sol, revolvendo-se em contracções convulsas. Na tundra começava a derreter a neve. Nos ovários da fêmea, o primeiro de quatro ovos estava pronto a ser fecundado.
O macho elevou-se no ar, o seu canto forte soou impetuoso. Pairava lá no alto, sobre o terreno escuro da planície, onde uma faixa acabava de ser lavrada. O bramido da máquina parou de súbito, e o maçaricão mal se deu conta disso. Tinha todos os sentidos concentrados na fêmea, que lá em baixo tremia de excitação, acocorada no solo escuro.
O homem estava sentado em cima do tractor, imóvel, a cabeça deitada para trás. Olhava para cima, e com a mão protegia os olhos do intenso brilho do sol. O maçaricão deixou-se cair, a fêmea soltou um grito estridente. Ele apanhou do chão uma minhoca e avançou para ela. De pescoço estendido, batia fortemente as asas, ao mesmo tempo que viu o homem saltar do tractor e correr para a estaca duma sebe, onde tinha pendurado o casaco.
Em circunstâncias normais, mesmo os próprios maçaricões teriam então fugido assustados. Porém, tendo-se deixado alimentar, a fêmea continuava ainda a bater as asas, numa agitação apaixonada. Ela rendia-se à cópula, e, no êxtase do acasalamento, ambos ficaram cegos perante o que se passava em redor.
Um estampido ecoou no céu claro e luminoso, e o seu trovejar parecia vir de todos os lados. A terra espirrou em volta das aves, crepitante como pedras de granizo. O macho fugiu, mantendo-se rente ao solo. Assim podia fugir mais depressa, pois em subida seria menor a velocidade. Até que se deu conta de que a fêmea não estava junto dele. Voltou atrás, com gritos roucos e penetrantes de aflição. O corpo castanho dela estava ainda inclinado no solo. O macho pairava sobre ela e gritava como louco.
Então um segundo trovão ribombou sobre eles. Uma pancada violenta e invisível atingiu-o e arrancou-lhe duas rémiges de uma das asas. Rodopiou no ar e abateu-se ao lado da fêmea, completamente surdo. Estava espantado, confuso, perante um inimigo que atacava sem que ele pudesse vê-lo.
Novamente levantou voo. Depois venceu o medo e voltou para junto da fêmea. Ela estava de pé e gritava, rouca de medo. Batia as asas em vão, até que, lentamente, conseguiu levantar voo. Penosamente ganhou velocidade e altitude. O macho aproximou-se, voando rente a ela. Ele gritava alto, mas ela emudecera.
Voaram durante alguns minutos, até deixarem para trás o campo com o terrível trovão no céu quente. Mas a fêmea era lenta, cada vez se atrasava mais. O macho veio até ela, incitou-a a voar, e colocou-se de novo à frente. O voo dela era cada vez mais lento e desajeitado. Deixou de controlar uma asa e isso desequilibrou-a. A plumagem macia do peito tornou-se-lhe escura e húmida. Ela chamou de novo por ele, e não eram gritos de medo, mas gorgeios doces de ternura. De súbito ela despenhou-se no solo. As asas batiam ainda, parecia o vibrar excitado do acasalamento, e o seu corpo rodopiou, até se imobilizar no chão húmido.
O macho gritou, ela devia segui-lo. Ele ainda tinha medo do chão firme. Mas a fêmea não se mexia e ele manteve-se a circular. Ela devia ter ouvido a sua censura, mas não respondeu. Longo tempo depois venceu o medo e poisou a seu lado. Protector, limpou-lhe as penas com o bico.
A noite chegou e a tundra atraía-o, chamava-o, pois era tempo de fazer o ninho. Levantou voo várias vezes, chamou-a, voltou atrás, e ela não o seguiu. Finalmente adormeceu encostado a ela.
De manhã elevou-se no céu acinzentado. Dilatou os pulmões e fez ecoar o seu canto nupcial. Cortejou-a. Quis dar-lhe comida, ela não a aceitou. E a tundra chamava imperiosamente. Ele levantou de novo, chamou-a mais uma vez. Depois ganhou altitude e afastou-se. O sol nascente brilhava rosado na sua plumagem e ele dirigiu-se para o norte. Silencioso e sozinho. (...)
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