sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Um mundo feito à mão-3


Para encher o depósito duma viatura 4X4 com etanol puro, são precisos mais de 200 Kg de milho. Calorias bastantes para alimentar uma pessoa durante um ano.

Planeta-Mãe - 3

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PENÚRIA ALIMENTAR NO OCIDENTE: CAUSAS DUMA RECONHECIDA AMEAÇA

POR QUE RAZÃO BAIXA A PRODUTIVIDADE?

A produção agrícola mundial aumentou fortemente durante o último meio século. Mas este aumento já não é consequência dum aumento da produtividade. Resulta principalmente dum aumento constante das áreas cultivadas no planeta. Desflorestação, irrigação intensiva e ordenamento do território fazem parte dos meios postos em acção nos últimos decénios para aumentar as superfícies cultivadas intensivamente.
Este aumento permitiu compensar uma tendência verificada há muito tempo: a produtividade da agricultura intensiva é cada vez mais aleatória, e globalmente tende a baixar. O aumento dos meios técnicos, agronómicos e químicos não consegue entravar esta tendência. Desde há alguns anos, ela é cada vez mais marcada. Hoje, o aumento das superfícies cultivadas não basta para compensar ao mesmo tempo o aumento da procura nos mercados mundiais e a redução do volume das colheitas. Verifica-se o risco de ver cair fortemente a produção agrícola mundial. A crise da primavera de 2008 apenas o recorda. Este risco é alimentado por numerosos factores:
- Irregularidades climatéricas
- Escassez de água
- Erosão dos solos
- Declínio das abelhas
- Risco das pragas vegetais
- Risco de epizootias animais
- Crise financeira
- Rurbanização
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Planeta-Mãe - 2

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Desde há muito tempo que a produção agrícola mundial apenas aproveita ao mundo solvente: NÓS. Para ser “comprador” no mercado mundial de produtos alimentares, é preciso oferecer um preço de compra; é preciso ter dinheiro. Por definição, os países pobres não são solventes. TER O ESTÔMAGO VAZIO NÃO É CRITÉRIO SUFICIENTE PARA SER CONSIDERADO REQUERENTE DE ALIMENTOS NO MERCADO MUNDIAL DOS PRODUTOS ALIMENTARES. É assim que certas multinacionais agro-alimentares ou agro-químicas puderam arrogantemente afixar slogans do tipo “nós alimentamos o mundo” (Nestlé), a despeito dos números da fome no mesmo mundo.
Nos tempos da sobre-produção agrícola, acumulavam-se e degradavam-se na Europa stocks monstruosos, que acabavam geralmente por ser destruídos, enquanto a penúria alimentar afectava já centenas de milhões de pessoas no planeta. Foram estes stocks que Coluche se propôs distribuir aos mais carenciados, criando os Restos du Coeur. Só eles servem mais de 80 milhões de refeições por ano, em França. E foi graças à entreajuda e à solidariedade que as populações pobres dos países ricos foram relativamente poupadas à fome, nas últimas décadas.
Os tempos mudaram. Os stocks de alimentos perdidos são imagens do passado. À baixa contínua dos preços dos produtos alimentares sucedeu o seu aumento. Entre Março de 2007 e Março de 2008, duplicaram os preços do trigo e do arroz; o do milho cresceu mais de um terço. Esta subida era o sintoma dum risco de escassez. Este risco era, ele mesmo, consequência duma degradação no terreno, que vinha de há anos. Desde o início dos anos 2000, multiplicam-se as más colheitas, ao mesmo tempo que aumenta a procura nos mercados.
Entre os anos 2005 e 2008, a produção mundial de cereais foi inferior ao consumo, e lançou-se mão dos stocks para satisfazer a procura. No princípio de 2008, os stocks mundiais de cereais estavam ao nível mais baixo dos últimos 25 anos. Num sistema económico em que o valor dos bens é determinado pela lei da oferta e da procura, o que ameaça tornar-se raro torna-se caro. Os mercados financeiros anteciparam este risco de escassez, investindo no mercado dos produtos agrícolas. A subida dos preços do início do ano 2008 era consequência desta antecipação. E esta especulação apenas revelou uma realidade ignorada até então: a ameaça de penúria alimentar aproxima-se das fronteiras dos países desenvolvidos.
Finalmente, a campanha agrícola do hemisfério norte foi excelente em 2008, afastando provisoriamente o risco de penúria alimentar. Os preços começaram a cair no fim do Verão. Por quanto tempo? Até Fevereiro de 2009, uma vez que a seca verificada no hemisfério sul ameaçava as colheitas da Austrália e da América do Sul. Na segunda semana desse mês, o preço dos cereais subiu 20%. No dia em que a produção agrícola mundial for de novo insuficiente, e os stocks não permitam compensá-la, a penúria alimentar será uma realidade no Ocidente. Nessa situação, já não será apenas uma questão de especulação bolsista, de alta dos preços, ou de entreajuda e de fraternidade: não haverá alimentação suficiente para toda a gente.
Uma parte da população arrisca-se a descobrir então que ainda dependemos dos ciclos da Natureza, mormente o ciclo das estações. A menos que vão pilhar as colheitas do outro hemisfério para passar o Inverno, desta vez são as populações pobres dos nossos países “ricos”que terão que aceitar a fome.
O risco de penúria alimentar é consequência de duas tendências de fundo: a diminuição da produtividade da agricultura intensiva e o aumento da procura.
É objectivo deste trabalho permitir a compreensão dos fenómenos em curso, e evidenciar as soluções para lhes fazer face.
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Um mundo feito à mão-2

Moinho hidráulico ou arca de Noé?!

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Planeta-Mãe - 1

QUESTÕES DE CIRCUNSTÂNCIA
Crises energética e financeira, sobre-endividamento das famílias, das empresas e dos estados, desemprego e redução do poder de compra… numerosos são os males que afectam a saúde da economia.
Acentuação das desigualdades entre países e entre indivíduos, concentração das riquezas nas mãos duma minoria, aumento da miséria humana e da sua exploração… são inquietações numerosas que cristalizam o sentimento de injustiça e a violência.
Irregularidades climáticas, poluição e penúria de água, poluição do ar e dos solos, redução da biodiversidade… são ameaças numerosas que pesam sobre o futuro da vida na Terra.
O sofrimento da fome e da malnutrição faz parte do quotidiano de mais de um bilião de seres humanos. O fenómeno não é recente. Nem cessou de agravar-se ao longo das últimas décadas, ao mesmo tempo que a obesidade no Ocidente se desenvolvia.
No princípio de 2008, os preços dos produtos alimentares atingiam extremos nos mercados mundiais. As “revoltas da fome” surgiram em vários países, como o Egipto, os Camarões, o México… De acordo com a FAO – o departamento da ONU que se ocupa dos problemas alimentares e agrícolas mundiais – a crise alimentar afectou mais de 40 países. Desta vez não foram apenas afectadas as populações dos países mais pobres do planeta.
De todos os males que sobrecarregam a economia, de todas as perturbações que suscitam a cólera e a revolta, de todas as ameaças que pairam sobre o nosso futuro, o pior podia muito bem ser a penúria alimentar.
Tal ideia parecerá difícil de entender aos nossos espíritos de ocidentais do séc. XXI, que há três gerações conhecem a abundância alimentar, desde o pós-guerra. Desde há 60 anos, o único obstáculo para usufruir de uma oferta quase ilimitada de alimentos é poder pagá-la. Para a maioria de nós, a fome é uma sensação física desagradável que ignoramos. Como é que este flagelo do passado poderia ameaçar-nos de novo? Como é que um país como a França, terra agrícola por excelência, poderia ter um dia falta de alimentos? O que é que verdadeiramente se passa no mercado dos produtos alimentares?

Desperdícios nos países ricos, especulação bolsista, aumento da população mundial… diversos factores são evocados para explicar o agravamento da crise alimentar mundial. Entre a análise dos ecologistas e a dos dirigentes das multinacionais da agro-química, entre o ponto de vista dum grande produtor de cereais e o dum pequeno apicultor, entre a opinião dos políticos e a dos consumidores empobrecidos, é muitas vezes difícil formar uma opinião. As nossas emoções perante os acontecimentos impedem-nos por vezes o necessário distanciamento. Resta-nos um ponto de vista parcial, face a problemas cujas causas geralmente são globais. Quando estão em jogo interesses económicos maiores, o ponto de vista de alguns pode mesmo tornar-se parcial.
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Um mundo feito à mão-1

São necessárias 26 mil torres eólicas de última geração para produzir a mesma quantidade de electricidade dum reactor nuclear.

Hora do folhetim - 12

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A distância diminuiu rapidamente, e as aves que o precediam tomaram forma nítida. Eram pequenas, muito mais pequenas do que ele. Mas agora já não sentia a rejeição instintiva que o levara a não dar qualquer atenção aos maçaricões-norte-americanos ou às narcejas. Continuava a sentir o mesmo impulso de se juntar a um bando. Soltou um grito de chamamento discreto, responderam-lhe tarambolas-douradas.
Tratava-se de um grupo de quarenta ou cinquenta aves, e o maçaricão alinhou na parte de trás da cunha. Reduziu a velocidade e anunciou a sua presença com uma série de gorjeios rápidos. Todo o bando respondeu em uníssono com trinados fortes. O ímpeto do maçaricão ficou silenciado. No mais fundo de si agitava-se ainda um fraco e indefinido sentimento de solidão, mas a partir de agora já não voava sozinho.



De entre as mais de trinta espécies de narcejas que todos os outonos migram do Árctico canadiano para o sul, apenas a tarambola-dourada é um companheiro de viagem adequado para o maçaricão-esquimó. Ambos têm velocidades de voo semelhantes e apreciam idêntico alimento. Mas há ainda outra razão mais importante. As tarambolas e os maçaricões são voadores particularmente resistentes, e rejeitam a rota terrestre sobre a América do Norte, que todas as outras aves de arribação adoptam. Em vez disso dirigem-se para leste, até às costas rochosas do Lavrador, da Terra Nova e da Nova Escócia, e daí voam directamente para sul, sobre o Atlântico. Vencem esta etapa de 4 mil quilómetros ou mais, num esgotante voo de quarenta e oito horas sem escala. Não fazem qualquer paragem até alcançarem terra de novo, na costa norte da América do Sul.
Muitas vezes junta-se às tarambolas-douradas um grande fuselo americano, e ocasionalmente acompanham-nas também outras narcejas, na longa rota do Atlântico. Esta rota é de facto um encurtamento, mas só o maçaricão-esquimó e a tarambola-dourada a percorrem regularmente todos os outonos. Entre as aves do Árctico, só eles possuem a força e a velocidade de voo indispensáveis para fugir ou enfrentar as tempestades do alto mar, que não são raras. Além disso, graças a esta rota, elas podem usufruir dos arandos escuros que amadurecem no outono e crescem abundantemente nas encostas e nos planaltos do Lavrador. As aves que migram sobre o continente privam-se destas reservas de alimento. Ao contrário, na primavera, as tarambolas e os maçaricões têm que seguir a rota habitual sobre as planícies do Oeste, pois nessa altura os arandos estão endurecidos e mortos, debaixo da neve. No Lavrador ainda domina o inverno, quando o Árctico já se cobre dos verdores da primavera.
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