quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Planeta-Mãe - 2

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Desde há muito tempo que a produção agrícola mundial apenas aproveita ao mundo solvente: NÓS. Para ser “comprador” no mercado mundial de produtos alimentares, é preciso oferecer um preço de compra; é preciso ter dinheiro. Por definição, os países pobres não são solventes. TER O ESTÔMAGO VAZIO NÃO É CRITÉRIO SUFICIENTE PARA SER CONSIDERADO REQUERENTE DE ALIMENTOS NO MERCADO MUNDIAL DOS PRODUTOS ALIMENTARES. É assim que certas multinacionais agro-alimentares ou agro-químicas puderam arrogantemente afixar slogans do tipo “nós alimentamos o mundo” (Nestlé), a despeito dos números da fome no mesmo mundo.
Nos tempos da sobre-produção agrícola, acumulavam-se e degradavam-se na Europa stocks monstruosos, que acabavam geralmente por ser destruídos, enquanto a penúria alimentar afectava já centenas de milhões de pessoas no planeta. Foram estes stocks que Coluche se propôs distribuir aos mais carenciados, criando os Restos du Coeur. Só eles servem mais de 80 milhões de refeições por ano, em França. E foi graças à entreajuda e à solidariedade que as populações pobres dos países ricos foram relativamente poupadas à fome, nas últimas décadas.
Os tempos mudaram. Os stocks de alimentos perdidos são imagens do passado. À baixa contínua dos preços dos produtos alimentares sucedeu o seu aumento. Entre Março de 2007 e Março de 2008, duplicaram os preços do trigo e do arroz; o do milho cresceu mais de um terço. Esta subida era o sintoma dum risco de escassez. Este risco era, ele mesmo, consequência duma degradação no terreno, que vinha de há anos. Desde o início dos anos 2000, multiplicam-se as más colheitas, ao mesmo tempo que aumenta a procura nos mercados.
Entre os anos 2005 e 2008, a produção mundial de cereais foi inferior ao consumo, e lançou-se mão dos stocks para satisfazer a procura. No princípio de 2008, os stocks mundiais de cereais estavam ao nível mais baixo dos últimos 25 anos. Num sistema económico em que o valor dos bens é determinado pela lei da oferta e da procura, o que ameaça tornar-se raro torna-se caro. Os mercados financeiros anteciparam este risco de escassez, investindo no mercado dos produtos agrícolas. A subida dos preços do início do ano 2008 era consequência desta antecipação. E esta especulação apenas revelou uma realidade ignorada até então: a ameaça de penúria alimentar aproxima-se das fronteiras dos países desenvolvidos.
Finalmente, a campanha agrícola do hemisfério norte foi excelente em 2008, afastando provisoriamente o risco de penúria alimentar. Os preços começaram a cair no fim do Verão. Por quanto tempo? Até Fevereiro de 2009, uma vez que a seca verificada no hemisfério sul ameaçava as colheitas da Austrália e da América do Sul. Na segunda semana desse mês, o preço dos cereais subiu 20%. No dia em que a produção agrícola mundial for de novo insuficiente, e os stocks não permitam compensá-la, a penúria alimentar será uma realidade no Ocidente. Nessa situação, já não será apenas uma questão de especulação bolsista, de alta dos preços, ou de entreajuda e de fraternidade: não haverá alimentação suficiente para toda a gente.
Uma parte da população arrisca-se a descobrir então que ainda dependemos dos ciclos da Natureza, mormente o ciclo das estações. A menos que vão pilhar as colheitas do outro hemisfério para passar o Inverno, desta vez são as populações pobres dos nossos países “ricos”que terão que aceitar a fome.
O risco de penúria alimentar é consequência de duas tendências de fundo: a diminuição da produtividade da agricultura intensiva e o aumento da procura.
É objectivo deste trabalho permitir a compreensão dos fenómenos em curso, e evidenciar as soluções para lhes fazer face.
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