quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Hora do folhetim - 35

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A luz da manhã caiu sobre um mundo áspero e desolado, sobre uma paisagem que ia crescendo para o céu. Falésias cinzentas e pedaços de nuvens em movimento, que pareciam asas brancas de um vento eterno. E ainda não tinham atingido o ponto mais alto. Os cumes que tinham agora de ultrapassar estavam escondidos atrás de massas de nuvens agitadas. Em nenhum outro lugar do mundo, salvo nos Himalaias, se encontram altitudes tão elevadas.
Mas mesmo aqui viviam insectos, e os maçaricões puseram-se à procura de alimento. Era uma operação lenta e difícil, não por haver pouco alimento, mas porque cada movimento era extenuante, exigindo muito oxigénio, que eles só a custo conseguiam levar à circulação sanguínea. À noite o ar arrefeceu rapidamente. Começou a nevar e eles não reiniciaram o voo. As turbulências atmosféricas e as enormes barreiras de falésias e glaciares só podiam ser ultrapassadas com a luz do dia.
Nessa noite não puderam dormir, e quase não descansaram. O vento rugia estridente contra a parede da falésia e empurrava os duros flocos de neve. Por momentos, as aves mal se puderam resguardar. Então uma poderosa rajada retirou-lhes o chão debaixo dos pés e arremessou-os na escuridão, no medonho vazio do espaço. O macho lutou, defendeu-se, retomou o controle das asas e poisou. Mas a fêmea tinha desaparecido.
Desesperado, tentou gritar mais alto que o rugido da tempestade. O vento não trouxe qualquer resposta, para além dos seus próprios gritos. Quando este amainou o maçaricão levantou voo, descreveu pequenos círculos a baixa altitude, gritou, e procurou, e gritou em vão. O vento cresceu de novo e ele não pôde manter-se em voo. Agarrou-se aos musgos da falésia e esperou, sem respiração. A tempestade amainou por um momento e ele voltou a levantar voo, mas a sua resistência acabou rapidamente. Não podia continuar. Então encontrou um buraco na falésia que o defendeu da tempestade. Encolheu-se lá dentro, arfando, de bido aberto. O corpo precisava de oxigénio. Logo que recuperou forças, voou de novo pela noite escura e bravia, descreveu os seus círculos e gritou pela fêmea. Torturava-o a antiga solidão.
Encontrou-a uma hora depois. Tinha-se escondido da tempestade por baixo duma saliência de xisto, na falésia, e estava tão perturbada e exangue como ele. Encostaram-se um ao outro, e o calor dos corpos derreteu um pequeno círculo de neve dura e granulosa.
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