quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Hora do folhetim - 40

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Voavam silenciosos, para não desperdiçarem respiração nem energias. Esta travessia do oceano demorava apenas metade da esgotante viagem sobre o Atlântico. Mas no outono, graças às bagas do Lavrador, as aves partiam gordas e bem alimentadas. Agora iniciavam o trajecto sobre o Pacífico já esgotadas e emagrecidas. Duas horas mais tarde teriam os papos vazios.
Quatro horas depois tinham ultrapassado a zona dos alísios de sueste, e alcançaram as calmarias equatoriais. Mas o mar por baixo deles estava tudo menos calmo. Baloiçava fortemente em pequenas rebentações que provocavam carneiros de espuma, um verdadeiro campo de batalha. Aqui encontram-se a corrente fria de Humboldt e a corrente quente do Equador, e ambas lutam pelo domínio do mar. Embora só com a luz do luar, as aves podiam observar como a cor do oceano mudava subitamente. O verde glacial da corrente de Humboldt cedeu lugar ao azul profundo das águas tropicais. E o ar aqueceu.
A lua desapareceu e começou a amanhecer. Pouco depois do romper do dia atingiram a zona dos alísios de nordeste, e estes ventos de lado aligeiraram o voo. Mas o dia estava quente. O ar húmido e abafado anulava o efeito agradável do vento.
Voaram hora após hora com velocidade estável, mantendo constante o ritmo esgotante e monótono de três a quatro batidas por segundo. O cintilar do sol sobre a água foi enfraquecendo, e desapareceu completamente ao atingir o zénite. O mar tornou-se mais azul. Então o sol descaiu para oeste e a cintilação voltou. Oitocentos metros abaixo deles brilhavam as cristas das ondas, e o ar aqueceu ainda mais. Desde que a costa da América do Sul desaparecera na escuridão da última noite, nada alterara a monotonia e a desolação do mar, a não ser, aqui e acolá, um albatroz, que planava com as suas asas poderosas e imóveis. Os maçaricões voavam infalivelmente para norte, sem se desviarem do rumo. Os seus cérebros estavam mais bem compensados, em relação às forças de orientação da terra, do que a bússola mais sensível.
O macho, que seguia na frente e tinha que vencer maior resistência do ar do que a fêmea, sofria de particular cansaço. As tormentosas pontadas que lhe arrepanhavam os músculos do peito tornaram-se numa dor surda e constante. O coração batia fortemente. Poderia descansar um pouco, se cedesse o comando à fêmea. Mas o facto de ela se manter atrás dele, e beneficiar da força com que ele atacava o ar, o facto de o voo dela depender do seu, comovia-o como um sentimento quente e sublime, que o fez aguentar. Inabalável, manteve o comando.
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