quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Hora do folhetim - 39


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Ano após ano, durante os nove meses de migração, os maçaricões eram como peões num gigantesco tabuleiro de xadrez. As suas rotas eram definidas por jogos cósmicos, pelas forças da natureza e da geografia, pelos ventos, pelas marés e pelo estado do tempo. Os ventos determinavam em que direcção as aves deviam voar. O tempo e as chuvas decidiam se havia mais ou menos alimento, definindo desse modo o objectivo do voo. Na partida de xadrez intervinha agora um outro jogador, uma corrente marítima.
A corrente de Humboldt vem do Antárctico, corre ao longo da costa oeste da América do Sul, em direcção ao norte, e transporta águas frias quase até ao equador. Os ventos que varrem todas as tardes a costa do Peru são secos, pois a água fria da corrente de Humboldt quase não sofre evaporação. Assim, a estreita faixa de costa entre os Andes e o Pacífico é árida, com planaltos arenosos quase desertos e pouca precipitação. Há muito poucos rios que corram para o Pacífico e formem estuários pantanosos, onde as marés depositem alimento para as narcejas. Por isso neste local os maçaricões pouco encontram que comer. Depois da travessia dos Andes estão magros e esgotados, mas a região não convida a demoras. Assim, continuaram a voar, sem grande descanso.
Seguiram as estreitas praias do Peru na direcção do norte. Voavam, noite após noite, até à madrugada, e aproveitavam cada hora do dia para se alimentarem. Tarefa difícil esta, pois estavam sempre esgotados e nunca completamente fartos. Para os jogos amorosos não restavam tempo nem energias, pois estes mal chegavam para descansar.
Em menos de uma semana tinham percorrido 3200 quilómetros, atingindo a planície arenosa de Punta Pariña, perto do equador. A partir daqui, ao longo de 1600 quilómetros, a costa sul americana segue na direcção nordeste, até ao istmo do Panamá.
Aproximava-se o mês de Março. Lá em cima, no norte, começava a primavera no vale do Mississipi, tornando verdes os choupos e as pradarias. Os maçaricões encontravam-se ainda a sul do equador, a tundra estava a quase dez mil quilómetros de distância. Mas ela chamava-os já tão fortemente, que os seus músculos cansados e doridos não eram suficientemente rápidos.
Até às exuberantes terras altas da Guatemala descrevia a costa um grande arco, que primeiro corria para leste, depois para norte e finalmente para oeste. A etapa era de quatro mil quilómetros. Em linha recta a distância era cerca de metade, mas passava sobre o Pacífico. Quando a noite que caía arrefeceu a areia quente, o maçaricão ainda tinha fome, o papo não estava cheio. Mas levantou voo, no crepúsculo tropical, e a fêmea seguiu-o. Tomaram a direcção do norte, abandonaram a faixa plana da costa e dirigiram-se para o mar alto. Deviam atingir a América Central vinte e quatro horas depois.
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