terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Hora do folhetim - 14
(...)
O CORREDOR DA MORTE
SESSÕES DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS NATURAIS
DE FILADÉLFIA - 1861
13 de Agosto. Presidência do Dr. Leidy, com a presença de nove membros. Foram apresentados os seguintes artigos para divulgação: Robert Kennicott, “Sobre três novas formas de cobra cascavel”; Elliott Coues, “Notas sobre a ornitologia do Lavrador”...
Um extraordinário número de maçaricões-esquimós chegou à costa do Lavrador, vindo dos locais de nidificação situados a norte. Estas aves voam muito rapidamente, em bandos enormes, contando muitas vezes vários milhares de exemplares... Eu próprio pude observar uma espantosa ilustração da persistência com que se agarram a determinados locais de alimentação, mesmo quando severamente molestados. A maré alta ia alagando uma zona pantanosa com cerca de um acre de extensão, onde abundavam os caracóis que eles tanto apreciam. Embora ali estivessem cinco ou seis caçadores, que de todos os lados disparavam incessantemente contra as pobres aves, elas continuavam a circular sobre nós, confundidas e excitadas, apesar de muitas delas irem sendo atingidas e caírem ao solo. Pareciam muito preocupadas com a possibilidade de os caracóis, seu petisco habitual, lhes poderem escapar...
Por determinação da comissão editorial e bibliotecária, são divulgadas as seguintes sessões da Sociedade de História Natural de Boston, de 1906/1907...
Comunicação n° 7 - Dr. Méd. Charles W. Tounsend e Glover M. Allen, “As aves do Lavrador”... Numenius borealis (Forster), maçaricão-esquimó. Um hóspede do Lavrador antigamente muito abundante, hoje muito raro.
Vem Agosto e tu estás no mar
Chegam aqui mil belos maçaricos todos os dias.
Packard escreve deste modo: “A 10 de Agosto de 1860 apareceram os maçaricões em bandos. Vimos um que tinha bem um quilómetro e meio de comprimento e quase outro tanto de largura. O barulho que faziam parecia às vezes o vento que zune no cordame dum navio de mil toneladas...”.
Porém, aquando da nossa visita à costa do Lavrador, no verão de 1906, já não vimos um único maçaricão-esquimó. Falámos com muitos habitantes daqui e todos concordaram em que ele ficou de repente reduzido, sendo outrora muito disseminado. Agora, no outono, avistam-se apenas dois ou três, ou mesmo nenhum. O capitão Parsons, do barco postal Virginia Lake, disse-nos que ainda havia muitos, aqui há 30 anos. Nesse tempo, antes do pequeno-almoço, abatia ele uma centena, chegando mesmo a atingir vinte com um único tiro. Os pescadores matavam milhares de maçaricões... Tinham as espingardas preparadas nos pontões e atiravam aos bandos que chegavam aqui, matando 20 ou 25 aves por cada tiro. Resumindo, podemos dizer que os habitantes do Lavrador sempre perseguiram o maçaricão-esquimó, mas só entre 1888 e 1890 verificaram que os efectivos se tinham reduzido. A partir de 1892, só um pequeno número destas aves, antigamente tão abundantes, visitou a costa do Lavrador... Parece que esta espécie está em vias de extinção.
(...)
O CORREDOR DA MORTE
SESSÕES DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS NATURAIS
DE FILADÉLFIA - 1861
13 de Agosto. Presidência do Dr. Leidy, com a presença de nove membros. Foram apresentados os seguintes artigos para divulgação: Robert Kennicott, “Sobre três novas formas de cobra cascavel”; Elliott Coues, “Notas sobre a ornitologia do Lavrador”...
Um extraordinário número de maçaricões-esquimós chegou à costa do Lavrador, vindo dos locais de nidificação situados a norte. Estas aves voam muito rapidamente, em bandos enormes, contando muitas vezes vários milhares de exemplares... Eu próprio pude observar uma espantosa ilustração da persistência com que se agarram a determinados locais de alimentação, mesmo quando severamente molestados. A maré alta ia alagando uma zona pantanosa com cerca de um acre de extensão, onde abundavam os caracóis que eles tanto apreciam. Embora ali estivessem cinco ou seis caçadores, que de todos os lados disparavam incessantemente contra as pobres aves, elas continuavam a circular sobre nós, confundidas e excitadas, apesar de muitas delas irem sendo atingidas e caírem ao solo. Pareciam muito preocupadas com a possibilidade de os caracóis, seu petisco habitual, lhes poderem escapar...
Por determinação da comissão editorial e bibliotecária, são divulgadas as seguintes sessões da Sociedade de História Natural de Boston, de 1906/1907...
Comunicação n° 7 - Dr. Méd. Charles W. Tounsend e Glover M. Allen, “As aves do Lavrador”... Numenius borealis (Forster), maçaricão-esquimó. Um hóspede do Lavrador antigamente muito abundante, hoje muito raro.
Vem Agosto e tu estás no mar
Chegam aqui mil belos maçaricos todos os dias.
Packard escreve deste modo: “A 10 de Agosto de 1860 apareceram os maçaricões em bandos. Vimos um que tinha bem um quilómetro e meio de comprimento e quase outro tanto de largura. O barulho que faziam parecia às vezes o vento que zune no cordame dum navio de mil toneladas...”.
Porém, aquando da nossa visita à costa do Lavrador, no verão de 1906, já não vimos um único maçaricão-esquimó. Falámos com muitos habitantes daqui e todos concordaram em que ele ficou de repente reduzido, sendo outrora muito disseminado. Agora, no outono, avistam-se apenas dois ou três, ou mesmo nenhum. O capitão Parsons, do barco postal Virginia Lake, disse-nos que ainda havia muitos, aqui há 30 anos. Nesse tempo, antes do pequeno-almoço, abatia ele uma centena, chegando mesmo a atingir vinte com um único tiro. Os pescadores matavam milhares de maçaricões... Tinham as espingardas preparadas nos pontões e atiravam aos bandos que chegavam aqui, matando 20 ou 25 aves por cada tiro. Resumindo, podemos dizer que os habitantes do Lavrador sempre perseguiram o maçaricão-esquimó, mas só entre 1888 e 1890 verificaram que os efectivos se tinham reduzido. A partir de 1892, só um pequeno número destas aves, antigamente tão abundantes, visitou a costa do Lavrador... Parece que esta espécie está em vias de extinção.
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Um mundo feito à mão-4
Planeta-Mãe - 4
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IRREGULARIDADES CLIMATÉRICAS
Falamos aqui de irregularidades climáticas, e não do aquecimento global. Mesmo estando intimamente ligados, são dois fenómenos diversos. Tal como o aquecimento global, a irregularidade climática é consequência do desequilíbrio na composição gasosa da atmosfera. Os gases com efeito de estufa fazem não só aumentar a temperatura média, mas contribuem também para o aumento das amplitudes térmicas: as temperaturas máximas são cada vez mais elevadas, e as mínimas cada vez mais baixas.
Este aumento de amplitude entre as temperaturas extremas influencia directamente os fenómenos climáticos. As tempestades, os furacões, os ciclones, resultam do choque entre massas de ar quente e húmido, e massas de ar frio. Quanto maior for a diferença de temperaturas, mais intensos e numerosos são estes fenómenos. É verdade que sempre existiram fenómenos climáticos extremos, como os arquivos atestam. Mas nas últimas décadas assistimos a um recrudescimento dos fenómenos violentos. Tornou-se banal bater recordes neste campo.
Nos últimos 20 anos, segundo um relatório da organização humanitária OXFAM publicado em Novembro de 2007, quadruplicou o número de catástrofes naturais ligadas ao clima. Passaram de 120 por ano, em média, no início dos anos 80, para perto de 500 actualmente. A organização estima que o número de pessoas atingidas todos os anos passou de 174 milhões entre 1985 e 1994, para 254 milhões entre 1995 e 2004.
Além do sofrimento humano e das perdas materiais que provocam, estes fenómenos climatéricos têm consequências significativas para a agricultura e a produção mundial de alimentos.
As geadas tardias comprometem as produções fruteiras e de outros primores, as tempestades destroem as colheitas, os períodos de canícula e de seca reduzem consideravelmente os rendimentos. Isto enquanto os excessos de água arrastam o apodrecimento, favorecem o desenvolvimento de doenças e limitam o potencial de conservação dos produtos. A actualidade é caracterizada por um fluxo quase contínuo de acontecimentos deste tipo.
As colheitas da campanha de 2007, na Europa, foram particularmente medíocres: o noroeste do continente teve um Verão particularmente húmido, enquanto o sueste conheceu uma canícula e uma seca sem precedentes.
A Índia sofreu em Outubro de 2007 a “monção do século”, que destruiu cerca de um terço das colheitas do país.
Depois de vários anos de seca, a Austrália suportou no final de 2007 a “seca do século”. A colheita cerealífera foi reduzida.
Em consequência dum fenómeno climatérico até então desconhecido e não explicado pelos meteorologistas, o centro do continente africano foi fustigado por chuvas diluvianas no Outono de 2007. Colheitas e rebanhos foram destruídos em oito países.
Os rebanhos de ovinos da Nova Zelândia, principal recurso agrícola do país, sofreram uma redução espectacular em 20 anos. No seguimento de um período de seca inaudito, a diminuição atingiu 11% só no ano de 2007.
Em França, a primavera fria e húmida de 2008 limitou a polinização das árvores de fruto. Certas colheitas de pêssegos e alperces foram divididas por quatro, particularmente no vale do Ródano. Os altos preços atingidos foram consequência da escassez. E assim por diante.
Todos estes fenómenos acarretam uma redução da oferta de alimentos nos mercados nacionais e mundiais. Para além do desaparecimento longínquo dos bancos de gelo, ou de certas ilhotas do fim do mundo, as irregularidades climáticas já nos atingem, pelo custo crescente daquilo que pomos no prato.
Tais fenómenos contribuem também para o aumento da procura: a sobrevivência alimentar das populações sinistradas depende de recursos vindos de algures. Nos países pobres, estes alimentos dependem muitas vezes de acções humanitárias. Poderão os orçamentos das ONG’s crescer ao mesmo ritmo da procura, enfrentando a alta dos preços de mercado? Se um dia a oferta não for suficiente para cobrir as necessidades dos países ricos, que parte restará para os países pobres?
A acreditar nas perspectivas actuais de evolução do clima, é de esperar o aumento dos fenómenos climatéricos violentos nos anos vindouros. E depois dos transportes, a agricultura intensiva é a segunda fonte de emissão de gases com efeito de estufa. É o arroseur arrosé!
IRREGULARIDADES CLIMATÉRICAS
Falamos aqui de irregularidades climáticas, e não do aquecimento global. Mesmo estando intimamente ligados, são dois fenómenos diversos. Tal como o aquecimento global, a irregularidade climática é consequência do desequilíbrio na composição gasosa da atmosfera. Os gases com efeito de estufa fazem não só aumentar a temperatura média, mas contribuem também para o aumento das amplitudes térmicas: as temperaturas máximas são cada vez mais elevadas, e as mínimas cada vez mais baixas.
Este aumento de amplitude entre as temperaturas extremas influencia directamente os fenómenos climáticos. As tempestades, os furacões, os ciclones, resultam do choque entre massas de ar quente e húmido, e massas de ar frio. Quanto maior for a diferença de temperaturas, mais intensos e numerosos são estes fenómenos. É verdade que sempre existiram fenómenos climáticos extremos, como os arquivos atestam. Mas nas últimas décadas assistimos a um recrudescimento dos fenómenos violentos. Tornou-se banal bater recordes neste campo.
Nos últimos 20 anos, segundo um relatório da organização humanitária OXFAM publicado em Novembro de 2007, quadruplicou o número de catástrofes naturais ligadas ao clima. Passaram de 120 por ano, em média, no início dos anos 80, para perto de 500 actualmente. A organização estima que o número de pessoas atingidas todos os anos passou de 174 milhões entre 1985 e 1994, para 254 milhões entre 1995 e 2004.
Além do sofrimento humano e das perdas materiais que provocam, estes fenómenos climatéricos têm consequências significativas para a agricultura e a produção mundial de alimentos.
As geadas tardias comprometem as produções fruteiras e de outros primores, as tempestades destroem as colheitas, os períodos de canícula e de seca reduzem consideravelmente os rendimentos. Isto enquanto os excessos de água arrastam o apodrecimento, favorecem o desenvolvimento de doenças e limitam o potencial de conservação dos produtos. A actualidade é caracterizada por um fluxo quase contínuo de acontecimentos deste tipo.
As colheitas da campanha de 2007, na Europa, foram particularmente medíocres: o noroeste do continente teve um Verão particularmente húmido, enquanto o sueste conheceu uma canícula e uma seca sem precedentes.
A Índia sofreu em Outubro de 2007 a “monção do século”, que destruiu cerca de um terço das colheitas do país.
Depois de vários anos de seca, a Austrália suportou no final de 2007 a “seca do século”. A colheita cerealífera foi reduzida.
Em consequência dum fenómeno climatérico até então desconhecido e não explicado pelos meteorologistas, o centro do continente africano foi fustigado por chuvas diluvianas no Outono de 2007. Colheitas e rebanhos foram destruídos em oito países.
Os rebanhos de ovinos da Nova Zelândia, principal recurso agrícola do país, sofreram uma redução espectacular em 20 anos. No seguimento de um período de seca inaudito, a diminuição atingiu 11% só no ano de 2007.
Em França, a primavera fria e húmida de 2008 limitou a polinização das árvores de fruto. Certas colheitas de pêssegos e alperces foram divididas por quatro, particularmente no vale do Ródano. Os altos preços atingidos foram consequência da escassez. E assim por diante.
Todos estes fenómenos acarretam uma redução da oferta de alimentos nos mercados nacionais e mundiais. Para além do desaparecimento longínquo dos bancos de gelo, ou de certas ilhotas do fim do mundo, as irregularidades climáticas já nos atingem, pelo custo crescente daquilo que pomos no prato.
Tais fenómenos contribuem também para o aumento da procura: a sobrevivência alimentar das populações sinistradas depende de recursos vindos de algures. Nos países pobres, estes alimentos dependem muitas vezes de acções humanitárias. Poderão os orçamentos das ONG’s crescer ao mesmo ritmo da procura, enfrentando a alta dos preços de mercado? Se um dia a oferta não for suficiente para cobrir as necessidades dos países ricos, que parte restará para os países pobres?
A acreditar nas perspectivas actuais de evolução do clima, é de esperar o aumento dos fenómenos climatéricos violentos nos anos vindouros. E depois dos transportes, a agricultura intensiva é a segunda fonte de emissão de gases com efeito de estufa. É o arroseur arrosé!
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
Hora do folhetim - 13
(...)
Pela manhã, a tundra que se via lá em baixo já não era tão cinzenta e monótona. Manchas escuras e sinuosas atravessavam o terreno. Desde o cair da noite, as aves tinham deixado para trás seiscentos quilómetros, e agora aproximavam-se da fronteira dos bosques subárcticos de abetos. Os prolongamentos escuros que penetravam na tundra eram vales de rios florestados. Estes vales protegiam os pequenos abetos das tempestades de neve, e permitiam-lhes sobreviver. Aos primeiros alvores da manhã, as aves desceram na zona pantanosa de um lago. Repousaram por uns momentos e começaram a comer logo que a manhã clareou.
Com as sua pernas altas e o bico encurvado, o maçaricão sobressaía claramente no meio das tarambolas, que tinham penas mais escuras e bicos mais curtos. Sendo concorrentes e inimigas na reserva, as duas espécies migravam em conjunto há inúmeras gerações, e aqui misturavam-se como iguais. Chegavam outras narcejas - pernas-amarelas, borrelhos e pequenos pilritos-das-praias - andavam por ali e retiravam-se. O maçaricão observava-os cuidadosamente, pois algures na tundra imensa deveria haver companheiros seus.
Comiam durante todo o dia, e só ocasionalmente faziam uma pausa para descanso. Quando chegava a escuridão, voavam de novo. Durante a subida era frouxa a coesão dentro do bando. Mas, logo que ganhavam altura, faziam rapidamente a sua formação em cunha, graças à qual a raiz da asa de cada ave era sustentada pelo turbilhão da asa da ave precedente. O maçaricão assumiu o comando e as tarambolas cerraram formação atrás dele, com elegância e leveza, como se tivessem treinado longamente a manobra. Elas não tinham escolhido conscientemente um chefe. Este tinha que se esforçar particularmente para vencer a resistência do ar, e para obter impulso ascencional e velocidade de avanço. Uma vez que o maçaricão era o voador mais forte, o resto do bando colocou-se atrás dele. E as tarambolas organizaram a sua formação tão espontânea e automaticamente como respiravam.
Depois de voarem algum tempo, as linhas escuras abaixo deles entrelaçaram-se num verdadeiro tapete. Agora encontravam-se sobre os bosques de abetos, e a tundra tinha ficado para trás. Outras narcejas voavam directamente para sul, na direcção dos planaltos, mas o maçaricão conduziu o bando para sueste, em busca dos arandos do Lavrador. Ocasionalmente entregou a chefia a uma tarambola, e tomou posição no meio da formação. Mas, após um curto repouso, retomou de novo o lugar inicial.
(...)
Pela manhã, a tundra que se via lá em baixo já não era tão cinzenta e monótona. Manchas escuras e sinuosas atravessavam o terreno. Desde o cair da noite, as aves tinham deixado para trás seiscentos quilómetros, e agora aproximavam-se da fronteira dos bosques subárcticos de abetos. Os prolongamentos escuros que penetravam na tundra eram vales de rios florestados. Estes vales protegiam os pequenos abetos das tempestades de neve, e permitiam-lhes sobreviver. Aos primeiros alvores da manhã, as aves desceram na zona pantanosa de um lago. Repousaram por uns momentos e começaram a comer logo que a manhã clareou.
Com as sua pernas altas e o bico encurvado, o maçaricão sobressaía claramente no meio das tarambolas, que tinham penas mais escuras e bicos mais curtos. Sendo concorrentes e inimigas na reserva, as duas espécies migravam em conjunto há inúmeras gerações, e aqui misturavam-se como iguais. Chegavam outras narcejas - pernas-amarelas, borrelhos e pequenos pilritos-das-praias - andavam por ali e retiravam-se. O maçaricão observava-os cuidadosamente, pois algures na tundra imensa deveria haver companheiros seus.
Comiam durante todo o dia, e só ocasionalmente faziam uma pausa para descanso. Quando chegava a escuridão, voavam de novo. Durante a subida era frouxa a coesão dentro do bando. Mas, logo que ganhavam altura, faziam rapidamente a sua formação em cunha, graças à qual a raiz da asa de cada ave era sustentada pelo turbilhão da asa da ave precedente. O maçaricão assumiu o comando e as tarambolas cerraram formação atrás dele, com elegância e leveza, como se tivessem treinado longamente a manobra. Elas não tinham escolhido conscientemente um chefe. Este tinha que se esforçar particularmente para vencer a resistência do ar, e para obter impulso ascencional e velocidade de avanço. Uma vez que o maçaricão era o voador mais forte, o resto do bando colocou-se atrás dele. E as tarambolas organizaram a sua formação tão espontânea e automaticamente como respiravam.
Depois de voarem algum tempo, as linhas escuras abaixo deles entrelaçaram-se num verdadeiro tapete. Agora encontravam-se sobre os bosques de abetos, e a tundra tinha ficado para trás. Outras narcejas voavam directamente para sul, na direcção dos planaltos, mas o maçaricão conduziu o bando para sueste, em busca dos arandos do Lavrador. Ocasionalmente entregou a chefia a uma tarambola, e tomou posição no meio da formação. Mas, após um curto repouso, retomou de novo o lugar inicial.
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Um mundo feito à mão-3
Planeta-Mãe - 3
(...)
PENÚRIA ALIMENTAR NO OCIDENTE: CAUSAS DUMA RECONHECIDA AMEAÇA
POR QUE RAZÃO BAIXA A PRODUTIVIDADE?
A produção agrícola mundial aumentou fortemente durante o último meio século. Mas este aumento já não é consequência dum aumento da produtividade. Resulta principalmente dum aumento constante das áreas cultivadas no planeta. Desflorestação, irrigação intensiva e ordenamento do território fazem parte dos meios postos em acção nos últimos decénios para aumentar as superfícies cultivadas intensivamente.
Este aumento permitiu compensar uma tendência verificada há muito tempo: a produtividade da agricultura intensiva é cada vez mais aleatória, e globalmente tende a baixar. O aumento dos meios técnicos, agronómicos e químicos não consegue entravar esta tendência. Desde há alguns anos, ela é cada vez mais marcada. Hoje, o aumento das superfícies cultivadas não basta para compensar ao mesmo tempo o aumento da procura nos mercados mundiais e a redução do volume das colheitas. Verifica-se o risco de ver cair fortemente a produção agrícola mundial. A crise da primavera de 2008 apenas o recorda. Este risco é alimentado por numerosos factores:
- Irregularidades climatéricas
- Escassez de água
- Erosão dos solos
- Declínio das abelhas
- Risco das pragas vegetais
- Risco de epizootias animais
- Crise financeira
- Rurbanização
(...)
PENÚRIA ALIMENTAR NO OCIDENTE: CAUSAS DUMA RECONHECIDA AMEAÇA
POR QUE RAZÃO BAIXA A PRODUTIVIDADE?
A produção agrícola mundial aumentou fortemente durante o último meio século. Mas este aumento já não é consequência dum aumento da produtividade. Resulta principalmente dum aumento constante das áreas cultivadas no planeta. Desflorestação, irrigação intensiva e ordenamento do território fazem parte dos meios postos em acção nos últimos decénios para aumentar as superfícies cultivadas intensivamente.
Este aumento permitiu compensar uma tendência verificada há muito tempo: a produtividade da agricultura intensiva é cada vez mais aleatória, e globalmente tende a baixar. O aumento dos meios técnicos, agronómicos e químicos não consegue entravar esta tendência. Desde há alguns anos, ela é cada vez mais marcada. Hoje, o aumento das superfícies cultivadas não basta para compensar ao mesmo tempo o aumento da procura nos mercados mundiais e a redução do volume das colheitas. Verifica-se o risco de ver cair fortemente a produção agrícola mundial. A crise da primavera de 2008 apenas o recorda. Este risco é alimentado por numerosos factores:
- Irregularidades climatéricas
- Escassez de água
- Erosão dos solos
- Declínio das abelhas
- Risco das pragas vegetais
- Risco de epizootias animais
- Crise financeira
- Rurbanização
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quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Planeta-Mãe - 2
(...)
Desde há muito tempo que a produção agrícola mundial apenas aproveita ao mundo solvente: NÓS. Para ser “comprador” no mercado mundial de produtos alimentares, é preciso oferecer um preço de compra; é preciso ter dinheiro. Por definição, os países pobres não são solventes. TER O ESTÔMAGO VAZIO NÃO É CRITÉRIO SUFICIENTE PARA SER CONSIDERADO REQUERENTE DE ALIMENTOS NO MERCADO MUNDIAL DOS PRODUTOS ALIMENTARES. É assim que certas multinacionais agro-alimentares ou agro-químicas puderam arrogantemente afixar slogans do tipo “nós alimentamos o mundo” (Nestlé), a despeito dos números da fome no mesmo mundo.
Nos tempos da sobre-produção agrícola, acumulavam-se e degradavam-se na Europa stocks monstruosos, que acabavam geralmente por ser destruídos, enquanto a penúria alimentar afectava já centenas de milhões de pessoas no planeta. Foram estes stocks que Coluche se propôs distribuir aos mais carenciados, criando os Restos du Coeur. Só eles servem mais de 80 milhões de refeições por ano, em França. E foi graças à entreajuda e à solidariedade que as populações pobres dos países ricos foram relativamente poupadas à fome, nas últimas décadas.
Os tempos mudaram. Os stocks de alimentos perdidos são imagens do passado. À baixa contínua dos preços dos produtos alimentares sucedeu o seu aumento. Entre Março de 2007 e Março de 2008, duplicaram os preços do trigo e do arroz; o do milho cresceu mais de um terço. Esta subida era o sintoma dum risco de escassez. Este risco era, ele mesmo, consequência duma degradação no terreno, que vinha de há anos. Desde o início dos anos 2000, multiplicam-se as más colheitas, ao mesmo tempo que aumenta a procura nos mercados.
Entre os anos 2005 e 2008, a produção mundial de cereais foi inferior ao consumo, e lançou-se mão dos stocks para satisfazer a procura. No princípio de 2008, os stocks mundiais de cereais estavam ao nível mais baixo dos últimos 25 anos. Num sistema económico em que o valor dos bens é determinado pela lei da oferta e da procura, o que ameaça tornar-se raro torna-se caro. Os mercados financeiros anteciparam este risco de escassez, investindo no mercado dos produtos agrícolas. A subida dos preços do início do ano 2008 era consequência desta antecipação. E esta especulação apenas revelou uma realidade ignorada até então: a ameaça de penúria alimentar aproxima-se das fronteiras dos países desenvolvidos.
Finalmente, a campanha agrícola do hemisfério norte foi excelente em 2008, afastando provisoriamente o risco de penúria alimentar. Os preços começaram a cair no fim do Verão. Por quanto tempo? Até Fevereiro de 2009, uma vez que a seca verificada no hemisfério sul ameaçava as colheitas da Austrália e da América do Sul. Na segunda semana desse mês, o preço dos cereais subiu 20%. No dia em que a produção agrícola mundial for de novo insuficiente, e os stocks não permitam compensá-la, a penúria alimentar será uma realidade no Ocidente. Nessa situação, já não será apenas uma questão de especulação bolsista, de alta dos preços, ou de entreajuda e de fraternidade: não haverá alimentação suficiente para toda a gente.
Uma parte da população arrisca-se a descobrir então que ainda dependemos dos ciclos da Natureza, mormente o ciclo das estações. A menos que vão pilhar as colheitas do outro hemisfério para passar o Inverno, desta vez são as populações pobres dos nossos países “ricos”que terão que aceitar a fome.
O risco de penúria alimentar é consequência de duas tendências de fundo: a diminuição da produtividade da agricultura intensiva e o aumento da procura.
É objectivo deste trabalho permitir a compreensão dos fenómenos em curso, e evidenciar as soluções para lhes fazer face.
(...)
Desde há muito tempo que a produção agrícola mundial apenas aproveita ao mundo solvente: NÓS. Para ser “comprador” no mercado mundial de produtos alimentares, é preciso oferecer um preço de compra; é preciso ter dinheiro. Por definição, os países pobres não são solventes. TER O ESTÔMAGO VAZIO NÃO É CRITÉRIO SUFICIENTE PARA SER CONSIDERADO REQUERENTE DE ALIMENTOS NO MERCADO MUNDIAL DOS PRODUTOS ALIMENTARES. É assim que certas multinacionais agro-alimentares ou agro-químicas puderam arrogantemente afixar slogans do tipo “nós alimentamos o mundo” (Nestlé), a despeito dos números da fome no mesmo mundo.
Nos tempos da sobre-produção agrícola, acumulavam-se e degradavam-se na Europa stocks monstruosos, que acabavam geralmente por ser destruídos, enquanto a penúria alimentar afectava já centenas de milhões de pessoas no planeta. Foram estes stocks que Coluche se propôs distribuir aos mais carenciados, criando os Restos du Coeur. Só eles servem mais de 80 milhões de refeições por ano, em França. E foi graças à entreajuda e à solidariedade que as populações pobres dos países ricos foram relativamente poupadas à fome, nas últimas décadas.
Os tempos mudaram. Os stocks de alimentos perdidos são imagens do passado. À baixa contínua dos preços dos produtos alimentares sucedeu o seu aumento. Entre Março de 2007 e Março de 2008, duplicaram os preços do trigo e do arroz; o do milho cresceu mais de um terço. Esta subida era o sintoma dum risco de escassez. Este risco era, ele mesmo, consequência duma degradação no terreno, que vinha de há anos. Desde o início dos anos 2000, multiplicam-se as más colheitas, ao mesmo tempo que aumenta a procura nos mercados.
Entre os anos 2005 e 2008, a produção mundial de cereais foi inferior ao consumo, e lançou-se mão dos stocks para satisfazer a procura. No princípio de 2008, os stocks mundiais de cereais estavam ao nível mais baixo dos últimos 25 anos. Num sistema económico em que o valor dos bens é determinado pela lei da oferta e da procura, o que ameaça tornar-se raro torna-se caro. Os mercados financeiros anteciparam este risco de escassez, investindo no mercado dos produtos agrícolas. A subida dos preços do início do ano 2008 era consequência desta antecipação. E esta especulação apenas revelou uma realidade ignorada até então: a ameaça de penúria alimentar aproxima-se das fronteiras dos países desenvolvidos.
Finalmente, a campanha agrícola do hemisfério norte foi excelente em 2008, afastando provisoriamente o risco de penúria alimentar. Os preços começaram a cair no fim do Verão. Por quanto tempo? Até Fevereiro de 2009, uma vez que a seca verificada no hemisfério sul ameaçava as colheitas da Austrália e da América do Sul. Na segunda semana desse mês, o preço dos cereais subiu 20%. No dia em que a produção agrícola mundial for de novo insuficiente, e os stocks não permitam compensá-la, a penúria alimentar será uma realidade no Ocidente. Nessa situação, já não será apenas uma questão de especulação bolsista, de alta dos preços, ou de entreajuda e de fraternidade: não haverá alimentação suficiente para toda a gente.
Uma parte da população arrisca-se a descobrir então que ainda dependemos dos ciclos da Natureza, mormente o ciclo das estações. A menos que vão pilhar as colheitas do outro hemisfério para passar o Inverno, desta vez são as populações pobres dos nossos países “ricos”que terão que aceitar a fome.
O risco de penúria alimentar é consequência de duas tendências de fundo: a diminuição da produtividade da agricultura intensiva e o aumento da procura.
É objectivo deste trabalho permitir a compreensão dos fenómenos em curso, e evidenciar as soluções para lhes fazer face.
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terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Planeta-Mãe - 1
QUESTÕES DE CIRCUNSTÂNCIA
Crises energética e financeira, sobre-endividamento das famílias, das empresas e dos estados, desemprego e redução do poder de compra… numerosos são os males que afectam a saúde da economia.
Acentuação das desigualdades entre países e entre indivíduos, concentração das riquezas nas mãos duma minoria, aumento da miséria humana e da sua exploração… são inquietações numerosas que cristalizam o sentimento de injustiça e a violência.
Irregularidades climáticas, poluição e penúria de água, poluição do ar e dos solos, redução da biodiversidade… são ameaças numerosas que pesam sobre o futuro da vida na Terra.
O sofrimento da fome e da malnutrição faz parte do quotidiano de mais de um bilião de seres humanos. O fenómeno não é recente. Nem cessou de agravar-se ao longo das últimas décadas, ao mesmo tempo que a obesidade no Ocidente se desenvolvia.
No princípio de 2008, os preços dos produtos alimentares atingiam extremos nos mercados mundiais. As “revoltas da fome” surgiram em vários países, como o Egipto, os Camarões, o México… De acordo com a FAO – o departamento da ONU que se ocupa dos problemas alimentares e agrícolas mundiais – a crise alimentar afectou mais de 40 países. Desta vez não foram apenas afectadas as populações dos países mais pobres do planeta.
De todos os males que sobrecarregam a economia, de todas as perturbações que suscitam a cólera e a revolta, de todas as ameaças que pairam sobre o nosso futuro, o pior podia muito bem ser a penúria alimentar.
Tal ideia parecerá difícil de entender aos nossos espíritos de ocidentais do séc. XXI, que há três gerações conhecem a abundância alimentar, desde o pós-guerra. Desde há 60 anos, o único obstáculo para usufruir de uma oferta quase ilimitada de alimentos é poder pagá-la. Para a maioria de nós, a fome é uma sensação física desagradável que ignoramos. Como é que este flagelo do passado poderia ameaçar-nos de novo? Como é que um país como a França, terra agrícola por excelência, poderia ter um dia falta de alimentos? O que é que verdadeiramente se passa no mercado dos produtos alimentares?
Desperdícios nos países ricos, especulação bolsista, aumento da população mundial… diversos factores são evocados para explicar o agravamento da crise alimentar mundial. Entre a análise dos ecologistas e a dos dirigentes das multinacionais da agro-química, entre o ponto de vista dum grande produtor de cereais e o dum pequeno apicultor, entre a opinião dos políticos e a dos consumidores empobrecidos, é muitas vezes difícil formar uma opinião. As nossas emoções perante os acontecimentos impedem-nos por vezes o necessário distanciamento. Resta-nos um ponto de vista parcial, face a problemas cujas causas geralmente são globais. Quando estão em jogo interesses económicos maiores, o ponto de vista de alguns pode mesmo tornar-se parcial.
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Crises energética e financeira, sobre-endividamento das famílias, das empresas e dos estados, desemprego e redução do poder de compra… numerosos são os males que afectam a saúde da economia.
Acentuação das desigualdades entre países e entre indivíduos, concentração das riquezas nas mãos duma minoria, aumento da miséria humana e da sua exploração… são inquietações numerosas que cristalizam o sentimento de injustiça e a violência.
Irregularidades climáticas, poluição e penúria de água, poluição do ar e dos solos, redução da biodiversidade… são ameaças numerosas que pesam sobre o futuro da vida na Terra.
O sofrimento da fome e da malnutrição faz parte do quotidiano de mais de um bilião de seres humanos. O fenómeno não é recente. Nem cessou de agravar-se ao longo das últimas décadas, ao mesmo tempo que a obesidade no Ocidente se desenvolvia.
No princípio de 2008, os preços dos produtos alimentares atingiam extremos nos mercados mundiais. As “revoltas da fome” surgiram em vários países, como o Egipto, os Camarões, o México… De acordo com a FAO – o departamento da ONU que se ocupa dos problemas alimentares e agrícolas mundiais – a crise alimentar afectou mais de 40 países. Desta vez não foram apenas afectadas as populações dos países mais pobres do planeta.
De todos os males que sobrecarregam a economia, de todas as perturbações que suscitam a cólera e a revolta, de todas as ameaças que pairam sobre o nosso futuro, o pior podia muito bem ser a penúria alimentar.
Tal ideia parecerá difícil de entender aos nossos espíritos de ocidentais do séc. XXI, que há três gerações conhecem a abundância alimentar, desde o pós-guerra. Desde há 60 anos, o único obstáculo para usufruir de uma oferta quase ilimitada de alimentos é poder pagá-la. Para a maioria de nós, a fome é uma sensação física desagradável que ignoramos. Como é que este flagelo do passado poderia ameaçar-nos de novo? Como é que um país como a França, terra agrícola por excelência, poderia ter um dia falta de alimentos? O que é que verdadeiramente se passa no mercado dos produtos alimentares?
Desperdícios nos países ricos, especulação bolsista, aumento da população mundial… diversos factores são evocados para explicar o agravamento da crise alimentar mundial. Entre a análise dos ecologistas e a dos dirigentes das multinacionais da agro-química, entre o ponto de vista dum grande produtor de cereais e o dum pequeno apicultor, entre a opinião dos políticos e a dos consumidores empobrecidos, é muitas vezes difícil formar uma opinião. As nossas emoções perante os acontecimentos impedem-nos por vezes o necessário distanciamento. Resta-nos um ponto de vista parcial, face a problemas cujas causas geralmente são globais. Quando estão em jogo interesses económicos maiores, o ponto de vista de alguns pode mesmo tornar-se parcial.
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Um mundo feito à mão-1
Hora do folhetim - 12
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A distância diminuiu rapidamente, e as aves que o precediam tomaram forma nítida. Eram pequenas, muito mais pequenas do que ele. Mas agora já não sentia a rejeição instintiva que o levara a não dar qualquer atenção aos maçaricões-norte-americanos ou às narcejas. Continuava a sentir o mesmo impulso de se juntar a um bando. Soltou um grito de chamamento discreto, responderam-lhe tarambolas-douradas.
Tratava-se de um grupo de quarenta ou cinquenta aves, e o maçaricão alinhou na parte de trás da cunha. Reduziu a velocidade e anunciou a sua presença com uma série de gorjeios rápidos. Todo o bando respondeu em uníssono com trinados fortes. O ímpeto do maçaricão ficou silenciado. No mais fundo de si agitava-se ainda um fraco e indefinido sentimento de solidão, mas a partir de agora já não voava sozinho.
De entre as mais de trinta espécies de narcejas que todos os outonos migram do Árctico canadiano para o sul, apenas a tarambola-dourada é um companheiro de viagem adequado para o maçaricão-esquimó. Ambos têm velocidades de voo semelhantes e apreciam idêntico alimento. Mas há ainda outra razão mais importante. As tarambolas e os maçaricões são voadores particularmente resistentes, e rejeitam a rota terrestre sobre a América do Norte, que todas as outras aves de arribação adoptam. Em vez disso dirigem-se para leste, até às costas rochosas do Lavrador, da Terra Nova e da Nova Escócia, e daí voam directamente para sul, sobre o Atlântico. Vencem esta etapa de 4 mil quilómetros ou mais, num esgotante voo de quarenta e oito horas sem escala. Não fazem qualquer paragem até alcançarem terra de novo, na costa norte da América do Sul.
Muitas vezes junta-se às tarambolas-douradas um grande fuselo americano, e ocasionalmente acompanham-nas também outras narcejas, na longa rota do Atlântico. Esta rota é de facto um encurtamento, mas só o maçaricão-esquimó e a tarambola-dourada a percorrem regularmente todos os outonos. Entre as aves do Árctico, só eles possuem a força e a velocidade de voo indispensáveis para fugir ou enfrentar as tempestades do alto mar, que não são raras. Além disso, graças a esta rota, elas podem usufruir dos arandos escuros que amadurecem no outono e crescem abundantemente nas encostas e nos planaltos do Lavrador. As aves que migram sobre o continente privam-se destas reservas de alimento. Ao contrário, na primavera, as tarambolas e os maçaricões têm que seguir a rota habitual sobre as planícies do Oeste, pois nessa altura os arandos estão endurecidos e mortos, debaixo da neve. No Lavrador ainda domina o inverno, quando o Árctico já se cobre dos verdores da primavera.
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A distância diminuiu rapidamente, e as aves que o precediam tomaram forma nítida. Eram pequenas, muito mais pequenas do que ele. Mas agora já não sentia a rejeição instintiva que o levara a não dar qualquer atenção aos maçaricões-norte-americanos ou às narcejas. Continuava a sentir o mesmo impulso de se juntar a um bando. Soltou um grito de chamamento discreto, responderam-lhe tarambolas-douradas.
Tratava-se de um grupo de quarenta ou cinquenta aves, e o maçaricão alinhou na parte de trás da cunha. Reduziu a velocidade e anunciou a sua presença com uma série de gorjeios rápidos. Todo o bando respondeu em uníssono com trinados fortes. O ímpeto do maçaricão ficou silenciado. No mais fundo de si agitava-se ainda um fraco e indefinido sentimento de solidão, mas a partir de agora já não voava sozinho.
De entre as mais de trinta espécies de narcejas que todos os outonos migram do Árctico canadiano para o sul, apenas a tarambola-dourada é um companheiro de viagem adequado para o maçaricão-esquimó. Ambos têm velocidades de voo semelhantes e apreciam idêntico alimento. Mas há ainda outra razão mais importante. As tarambolas e os maçaricões são voadores particularmente resistentes, e rejeitam a rota terrestre sobre a América do Norte, que todas as outras aves de arribação adoptam. Em vez disso dirigem-se para leste, até às costas rochosas do Lavrador, da Terra Nova e da Nova Escócia, e daí voam directamente para sul, sobre o Atlântico. Vencem esta etapa de 4 mil quilómetros ou mais, num esgotante voo de quarenta e oito horas sem escala. Não fazem qualquer paragem até alcançarem terra de novo, na costa norte da América do Sul.
Muitas vezes junta-se às tarambolas-douradas um grande fuselo americano, e ocasionalmente acompanham-nas também outras narcejas, na longa rota do Atlântico. Esta rota é de facto um encurtamento, mas só o maçaricão-esquimó e a tarambola-dourada a percorrem regularmente todos os outonos. Entre as aves do Árctico, só eles possuem a força e a velocidade de voo indispensáveis para fugir ou enfrentar as tempestades do alto mar, que não são raras. Além disso, graças a esta rota, elas podem usufruir dos arandos escuros que amadurecem no outono e crescem abundantemente nas encostas e nos planaltos do Lavrador. As aves que migram sobre o continente privam-se destas reservas de alimento. Ao contrário, na primavera, as tarambolas e os maçaricões têm que seguir a rota habitual sobre as planícies do Oeste, pois nessa altura os arandos estão endurecidos e mortos, debaixo da neve. No Lavrador ainda domina o inverno, quando o Árctico já se cobre dos verdores da primavera.
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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Planeta-Mãe - 0
Quando a última árvore tiver sido derrubada
E a última peça de caça tiver sido morta
E a última ribeira tiver sido envenenada
E o último peixe tiver sido pescado…
Então descobrireis que o dinheiro não se come!
[da sabedoria ameríndia]
Aqui se inicia a apresentação de PLANETA-MÃE, um trabalho adaptado de Alain Dawid, o “camponês itinerante”. Tendo desenvolvido actividades na banca e na indústria francesas, conheceu por dentro muitos dos mecanismos que condicionam a evolução da vida e da economia das nossas sociedades. A sua perspectiva não é exactamente a portuguesa. Mas hoje em dia bem pouco é o que dela nos separa.
Constatando que o actual sistema sócio-económico se encontra à beira do caos, abandona tudo em 2004, e funda a Associação Planeta-Mãe na Primavera de 2005. Toma para si a máxima “Mudar o mundo começa por nos mudarmos a nós próprios”. Para Dawid, o retorno à terra não é um passo atrás, mas antes um regresso ao essencial. Conhecer o seu pensamento ajuda a entender as coisas.
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Hora do folhetim - 11
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Porém, com excepção das tarambolas-douradas, nenhuma narceja era tão rápida como o maçaricão. E assim ele alcançava sempre os bandos que voavam na sua dianteira. Primeiro ouvia os ténues gorgeios, através dos quais as aves comunicavam. Depois o turbilhão tornava-se mais forte. E finalmente surgia o bando, confundido com o cinzento do céu. O maçaricão acompanhava-o durante algum tempo, mas acabava por ultrapassá-lo, devido à sua maior velocidade. E continuava a voar sozinho.
Nessa noite aconteceu isso várias vezes, pois as camadas de ar por cima da tundra em arrefecimento estavam agitadas, e a maioria dos bandos voava à mesma altitude, um pouco acima dos níveis de turbulência. Pela manhã o maçaricão deparou com uma esteira mais larga, e adaptou o batimento de asa às novas condições de impulsão. Voou assim durante longo tempo, e o turbilhão causado pelas pontas das asas das aves que o precediam manteve-se inalterável. Desta vez ele não alcançou o bando automaticamente. Ainda não era o tempo de migração dos patos e dos gansos. Nesta altura, só duas espécies eram tão velozes que o maçaricão as não podia ultrapassar sem esforço. Tinham que ser tarambolas-douradas... ou maçaricões-esquimós.
As incansáveis asas bateram-lhe mais depressa. O ar comprimiu-se fortemente contra o seu corpo aerodinâmico. O turbilhão do bando invisível foi-se tornando maior, e era de facto mais forte do que todos os outros que encontrara nessa noite. A sua impaciência cresceu. Uma leve esperança, meio reacção instintiva e meio vago pensamento consciente, agitou-se-lhe no cérebro. Estava iminente o fim desta interminável procura de companheiros da espécie? O maçaricão aumentou a velocidade, até lhe doerem, do esforço, os poderosos tendões do peito, um dos tecidos mais fortes em todo o reino animal.
Aproximou-se do bando. Na escuridão, só agora iam tomando forma as aves que o precediam, primeiro vaga, depois mais claramente. Durante um bom minuto o maçaricão apenas pôde reconhecer a linha desvanecida da sua formação, mas agora via claramente cada uma das aves. Só voadores fortes e rápidos, como os gansos, os maçaricões e as tarambolas-douradas voavam assim, nesta formação em coluna, em diagonal ou em cunha. Através dela, cada ave tirava partido do turbilhão da ponta da asa da ave precedente, sem que fosse perturbada pela esteira de turbulência que ela deixava atrás de si. E o maçaricão sabia que os gansos ainda não voavam para sul. Ficou ainda mais impaciente, voou ainda mais depressa.
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Porém, com excepção das tarambolas-douradas, nenhuma narceja era tão rápida como o maçaricão. E assim ele alcançava sempre os bandos que voavam na sua dianteira. Primeiro ouvia os ténues gorgeios, através dos quais as aves comunicavam. Depois o turbilhão tornava-se mais forte. E finalmente surgia o bando, confundido com o cinzento do céu. O maçaricão acompanhava-o durante algum tempo, mas acabava por ultrapassá-lo, devido à sua maior velocidade. E continuava a voar sozinho.
Nessa noite aconteceu isso várias vezes, pois as camadas de ar por cima da tundra em arrefecimento estavam agitadas, e a maioria dos bandos voava à mesma altitude, um pouco acima dos níveis de turbulência. Pela manhã o maçaricão deparou com uma esteira mais larga, e adaptou o batimento de asa às novas condições de impulsão. Voou assim durante longo tempo, e o turbilhão causado pelas pontas das asas das aves que o precediam manteve-se inalterável. Desta vez ele não alcançou o bando automaticamente. Ainda não era o tempo de migração dos patos e dos gansos. Nesta altura, só duas espécies eram tão velozes que o maçaricão as não podia ultrapassar sem esforço. Tinham que ser tarambolas-douradas... ou maçaricões-esquimós.
As incansáveis asas bateram-lhe mais depressa. O ar comprimiu-se fortemente contra o seu corpo aerodinâmico. O turbilhão do bando invisível foi-se tornando maior, e era de facto mais forte do que todos os outros que encontrara nessa noite. A sua impaciência cresceu. Uma leve esperança, meio reacção instintiva e meio vago pensamento consciente, agitou-se-lhe no cérebro. Estava iminente o fim desta interminável procura de companheiros da espécie? O maçaricão aumentou a velocidade, até lhe doerem, do esforço, os poderosos tendões do peito, um dos tecidos mais fortes em todo o reino animal.
Aproximou-se do bando. Na escuridão, só agora iam tomando forma as aves que o precediam, primeiro vaga, depois mais claramente. Durante um bom minuto o maçaricão apenas pôde reconhecer a linha desvanecida da sua formação, mas agora via claramente cada uma das aves. Só voadores fortes e rápidos, como os gansos, os maçaricões e as tarambolas-douradas voavam assim, nesta formação em coluna, em diagonal ou em cunha. Através dela, cada ave tirava partido do turbilhão da ponta da asa da ave precedente, sem que fosse perturbada pela esteira de turbulência que ela deixava atrás de si. E o maçaricão sabia que os gansos ainda não voavam para sul. Ficou ainda mais impaciente, voou ainda mais depressa.
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