quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
Hora do folhetim - 44
(...)
Quando por fim partiram estava escuro, e a lua nova nascia. Nas outras travessias do oceano, os maçaricões e as tarambolas-douradas tinham voado sozinhos. Mas agora tinham companhia, uma vez que outras aves percorriam o mesmo caminho. Duas horas depois, os maçaricões começaram a ultrapassar as aves mais pequenas, que tinham partido mais cedo. A atmosfera vibrava com chamamentos e gorgeios, por todo o lado faiscavam asas prateadas ao luar. Havia rotas mais fáceis, sobre o mar das Caraíbas e o golfo do México. As aves podiam saltar de ilha em ilha, e ter quase sempre terra firme à vista. Mas as ilhas eram minúsculas e ofereciam pouco alimento. Por essa razão, a maior parte delas voava sobre a terra firme centro-americana até ao Yucatán, e dali directamente sobre o golfo, sem qualquer escala.
Os maçaricões ultrapassaram os cucos, que nidificam na Nova Inglaterra, depois os chascos e as pequenas felosas cujas reservas se encontram nos escuros bosques de abetos do norte, em seguida os tordos-americanos que se dirigem ao Alaska, os estorninhos e as escrevedeiras que se espalham pelas pradarias do centro do continente, e finalmente os tangarás-d’asa-negra, para quem a viagem termina já nas costas da Louisiana.
De entre as aves que naquela tarde tinham deixado as praias do Yucatán, só havia uma espécie que os maçaricões não ultrapassavam. Muitos colibris tinham partido também, esses pequenos anões tenazes que não pesam mais que alguns gramas. Iam muito à frente, deixando todos os outros atrás de si. As suas asas minúsculas faziam setenta batidas por segundo. A maior parte das aves precisava de vinte horas para chegar a terra firme norte-americana. Os maçaricões precisavam de dez, e os colibris apenas de oito.
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Quando por fim partiram estava escuro, e a lua nova nascia. Nas outras travessias do oceano, os maçaricões e as tarambolas-douradas tinham voado sozinhos. Mas agora tinham companhia, uma vez que outras aves percorriam o mesmo caminho. Duas horas depois, os maçaricões começaram a ultrapassar as aves mais pequenas, que tinham partido mais cedo. A atmosfera vibrava com chamamentos e gorgeios, por todo o lado faiscavam asas prateadas ao luar. Havia rotas mais fáceis, sobre o mar das Caraíbas e o golfo do México. As aves podiam saltar de ilha em ilha, e ter quase sempre terra firme à vista. Mas as ilhas eram minúsculas e ofereciam pouco alimento. Por essa razão, a maior parte delas voava sobre a terra firme centro-americana até ao Yucatán, e dali directamente sobre o golfo, sem qualquer escala.
Os maçaricões ultrapassaram os cucos, que nidificam na Nova Inglaterra, depois os chascos e as pequenas felosas cujas reservas se encontram nos escuros bosques de abetos do norte, em seguida os tordos-americanos que se dirigem ao Alaska, os estorninhos e as escrevedeiras que se espalham pelas pradarias do centro do continente, e finalmente os tangarás-d’asa-negra, para quem a viagem termina já nas costas da Louisiana.
De entre as aves que naquela tarde tinham deixado as praias do Yucatán, só havia uma espécie que os maçaricões não ultrapassavam. Muitos colibris tinham partido também, esses pequenos anões tenazes que não pesam mais que alguns gramas. Iam muito à frente, deixando todos os outros atrás de si. As suas asas minúsculas faziam setenta batidas por segundo. A maior parte das aves precisava de vinte horas para chegar a terra firme norte-americana. Os maçaricões precisavam de dez, e os colibris apenas de oito.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Planeta-Mãe - 33
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A OMC
A Organização Mundial do Comércio é a vitrina política das multinacionais e do mundo dos negócios. O seu papel é defender as regras do comércio mundial, particularmente as da livre troca. A OMC negocia essencialmente com os estados, para que eles ponham as suas leis em conformidade com as regras do comércio mundial. A organização verifica depois se estas leis são aplicadas nos territórios nacionais. Caso contrário pode impor sanções ao estado infractor.
A França paga todos os anos uma multa à OMC, por desrespeito da lei da livre-troca: continuamos a recusar a carne com hormonas proveniente da América, enquanto não for estabelecida prova científica de perigo para a saúde humana. Esta multa é proporcional à perda de mercado estimada, e o seu montante é entregue às sociedades americanas atingidas por esta perda de mercado. Elas são indemnizadas a título de “prejuízo por lucros potenciais não realizados”. Quantos franceses sabem que uma parte dos seus impostos serve para pagar este tipo de coimas?
É a OMC que pressiona as instâncias europeias para que as regras do livre cultivo dos OGM em campo aberto sejam aplicadas pelos estados membros. Pelas mesmas razões da carne com hormonas, expomo-nos a multas por atentado às regras de livre-troca. De facto, só podemos obter uma moratória sobre os OGM, se dispusermos dum argumento científico irrefutável. Neste debate, a margem de manobra dos políticos é ínfima. O lóbi da Monsanto fez ondas nas fileiras do parlamento. Deve igualmente precisar-se que o actual vice-presidente da OMC não é senão o antigo responsável pelo mercado europeu na Monsanto. (…)
Quando a General Motors entra em falência, fica ameaçado de desaparecimento um utensílio que serve para produzir viaturas enormes. Mas se falir um gigante agro-alimentar, o que fica ameaçado é um utensílio que produz grandes quantidades de alimentos. Já na primavera de 2009 muitos economistas julgaram ultrapassados os limites de intervenção dos estados, e assim os gigantescos salvamentos da economia não poderão multiplicar-se eternamente. Num cenário de bancarrota generalizada, as prateleiras dos supermercados esvaziar-se-ão rapidamente. (…)
A OMC
A Organização Mundial do Comércio é a vitrina política das multinacionais e do mundo dos negócios. O seu papel é defender as regras do comércio mundial, particularmente as da livre troca. A OMC negocia essencialmente com os estados, para que eles ponham as suas leis em conformidade com as regras do comércio mundial. A organização verifica depois se estas leis são aplicadas nos territórios nacionais. Caso contrário pode impor sanções ao estado infractor.
A França paga todos os anos uma multa à OMC, por desrespeito da lei da livre-troca: continuamos a recusar a carne com hormonas proveniente da América, enquanto não for estabelecida prova científica de perigo para a saúde humana. Esta multa é proporcional à perda de mercado estimada, e o seu montante é entregue às sociedades americanas atingidas por esta perda de mercado. Elas são indemnizadas a título de “prejuízo por lucros potenciais não realizados”. Quantos franceses sabem que uma parte dos seus impostos serve para pagar este tipo de coimas?
É a OMC que pressiona as instâncias europeias para que as regras do livre cultivo dos OGM em campo aberto sejam aplicadas pelos estados membros. Pelas mesmas razões da carne com hormonas, expomo-nos a multas por atentado às regras de livre-troca. De facto, só podemos obter uma moratória sobre os OGM, se dispusermos dum argumento científico irrefutável. Neste debate, a margem de manobra dos políticos é ínfima. O lóbi da Monsanto fez ondas nas fileiras do parlamento. Deve igualmente precisar-se que o actual vice-presidente da OMC não é senão o antigo responsável pelo mercado europeu na Monsanto. (…)
Quando a General Motors entra em falência, fica ameaçado de desaparecimento um utensílio que serve para produzir viaturas enormes. Mas se falir um gigante agro-alimentar, o que fica ameaçado é um utensílio que produz grandes quantidades de alimentos. Já na primavera de 2009 muitos economistas julgaram ultrapassados os limites de intervenção dos estados, e assim os gigantescos salvamentos da economia não poderão multiplicar-se eternamente. Num cenário de bancarrota generalizada, as prateleiras dos supermercados esvaziar-se-ão rapidamente. (…)
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Hora do folhetim - 43
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10
Março chegara. No Canadá, os piscos-de-peito-ruivo, as felosas-assobiadeiras e os borrelhos-de-duas-coleiras faziam já os ninhos. E na costa do Yucatán reinava a impaciência e a excitação migratória. Quando no inverno acontecia o mesmo, isso não perturbava as aves de arribação. Porém, logo que fisiologicamente se anunciava, o novo ciclo de reprodução apressava-as. Procuravam espaço, pois cada casal queria preservar-se. As andorinhas e os andorinhões-das-chaminés, que se alimentavam em voo, viajavam de dia e seguiam calmamente a costa mexicana para norte. Mas a maior parte das aves juntava-se na península do Yucatán, e ali se acumulavam, como um rio que encontra um obstáculo no leito. Esperavam e juntavam forças, até que, numa noite de vento favorável, levantavam na escuridão do crepúsculo e avançavam para o vasto golfo do México.
Após dois ou três dias de calmaria, uma tarde o vento levantou-se e a impaciência apoderou-se das aves. Os tordos e os estorninhos iniciavam pequenos voos ao rés da água, experimentavam o vento e as asas e voltavam para trás. Para os maçaricões, a etapa de oitocentos quilómetros sobre o golfo era para fazer numa noite. Mas para as pequenas aves canoras, que voavam duas vezes mais devagar, esta era a etapa mais difícil de toda a viagem. Por isso tinham que escolher o momento da partida com especial cuidado. Durante a tarde, muitas já não regressavam dos seus voos de ensaio. Elevavam-se no ar, pairavam sobre a rebentação e avançavam para o mar alto, até serem apenas pequenos pontos negros, que desapareciam finalmente no azul do céu. Ao pôr do sol reinava um estranho sossego na praia. Só os maçaricões e um par de narcejas tinham ficado para trás.
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Planeta-Mãe - 32
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Estas sociedades comerciais tentaculares – e sobre-endividadas – têm como clientes outras sociedades semelhantes, as da grande distribuição. Carrefour e Géant Casino, por exemplo, fazem parte das maiores capitalizações na bolsa de Paris. A sua actividade é distribuir, tornar disponível tudo o que a nossa sociedade é capaz de produzir. Mesmo se a maior parte destes grupos da grande distribuição criaram as suas próprias marcas de produtos, eles nada fabricam, limitando-se a ser prestadores de serviços: eles disponibilizam. Os produtos com as suas marcas são produzidos em fábricas que muitas vezes fabricam numerosos produtos para outras sociedades. Estas fábricas são de facto empresas de subcontratação, fornecendo vários grupos agro-alimentares. Fabricam em função do caderno de encargos que lhes é imposto, e revendem a sua produção ao preço que lhes é imposto. Sejam elas fornecedoras da marca Carrefour ou Nestlé, estas fábricas têm os seus accionistas. As multinacionais do agro-alimentar ou da grande distribuição são muitas vezes maioritárias. Elas dominam assim os processos e os custos de produção dos seus produtos.
Estas fábricas têm os seus próprios fornecedores. Longe de serem multinacionais, a maior parte são empresas individuais ou familiares: são os agricultores.
Entre os agricultores, a indústria agro-alimentar e a grande distribuição, a lei do lucro é implacável.
(…)
Estas sociedades comerciais tentaculares – e sobre-endividadas – têm como clientes outras sociedades semelhantes, as da grande distribuição. Carrefour e Géant Casino, por exemplo, fazem parte das maiores capitalizações na bolsa de Paris. A sua actividade é distribuir, tornar disponível tudo o que a nossa sociedade é capaz de produzir. Mesmo se a maior parte destes grupos da grande distribuição criaram as suas próprias marcas de produtos, eles nada fabricam, limitando-se a ser prestadores de serviços: eles disponibilizam. Os produtos com as suas marcas são produzidos em fábricas que muitas vezes fabricam numerosos produtos para outras sociedades. Estas fábricas são de facto empresas de subcontratação, fornecendo vários grupos agro-alimentares. Fabricam em função do caderno de encargos que lhes é imposto, e revendem a sua produção ao preço que lhes é imposto. Sejam elas fornecedoras da marca Carrefour ou Nestlé, estas fábricas têm os seus accionistas. As multinacionais do agro-alimentar ou da grande distribuição são muitas vezes maioritárias. Elas dominam assim os processos e os custos de produção dos seus produtos.
Estas fábricas têm os seus próprios fornecedores. Longe de serem multinacionais, a maior parte são empresas individuais ou familiares: são os agricultores.
Entre os agricultores, a indústria agro-alimentar e a grande distribuição, a lei do lucro é implacável.
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sábado, 15 de janeiro de 2011
Hora do folhetim - 42
(...)
Nas encostas de declive ligeiro havia gafanhotos por todo o lado, e pastavam grandes rebanhos de carneiros. O capim estava tosado e rente, por isso era fácil encontrar os insectos. Os maçaricões comeram até terem os papos e os estômagos cheios. Ao escurecer já milhares de aves partiam. Não podiam ver-se na escuridão, salvo quando uma delas riscava o disco da lua, como um traço de sombra. Mas ouviam-se constantemente os seus gritos leves. Porém os maçaricões não tinham pressa, pois no Árctico era ainda inverno, e aqui podiam acumular gordura para o caminho até à reserva.
Esperaram uma semana, comeram muito e voavam cada dia um pouco mais para norte. Os seus corpos ficaram outra vez redondos e nédios, e agora, de novo com forças, ardia neles o impulso de acasalamento, como uma febre. No princípio da semana atingiram a ponta da península de Yucatán. Oitocentos quilómetros a norte, do outro lado do golfo do México, ficavam os pântanos da costa da Louisiana e do Texas, atrás dos quais se estendiam, quase até ao Árctico, as pradarias sem fim.
O CORREDOR DA MORTE
... Mas pior que tudo era a carnificina, quando as aves, na primavera, atravessavam o golfo do México, e se deslocavam em bandos pelas planícies norte-americanas.
Estes bandos enormes recordavam aos habitantes das pradarias os pombos-torcazes, e por isso os maçaricões foram chamados “pombos da pradaria”. Voavam aos milhares, em quantidades tais que os bandos mediam às vezes mil metros de comprimento por cem de largura. Quando poisavam, cobriam quarenta a cinquenta acres de solo. A matança era nesse tempo uma coisa inimaginável. Vinham caçadores de Omaha, no Nebraska, e abatiam as aves sem piedade, abatiam-nas literalmente às carradas. As aves mortas eram mesmo empilhadas em carros abertos, que chegavam a precisar de taipais laterais. Quando os bandos eram particularmente numerosos, e os caçadores dispunham de munições em abundância, os carros enchiam-se depressa. Despejavam-se então carregamentos inteiros na pradaria. As aves ficavam ali em pilhas enormes, como se de um monte de carvão se tratasse. Deixavam-nos a apodrecer, e os caçadores enchiam os seus carros com novas vítimas.
Tal carnificina só era possível pela dimensão dos bandos e pela mansidão das aves. Por cada tiro caíam normalmente dúzias delas ao chão. Certa vez um caçador abateu vinte e oito, com um único tiro de uma velha escopeta de carregar pela boca. E do bando que continuou a voar caíram ainda algumas aves mortas, nos mil metros seguintes. Voavam tão cerradas que era quase impossível atirar-lhes uma pedrada sem atingir uma delas...
Ao lado dos muitos fuzileiros que abatiam estas aves apenas para consumo próprio ou pelo prazer de matar, havia caçadores profissionais, que abasteciam os mercados e perseguiam sistematicamente os bandos...
Através de binóculos, os caçadores observavam a progressão do voo... Cada um podia aproximar-se das aves poisadas até uma distância de vinte e cinco ou trinta metros. Uma vez aí, os caçadores esperavam que elas se colocassem na melhor posição de fogo, após o que era disparada a primeira salva. Desorientadas, as aves levantavam voo e descreviam um par de círculos no ar, oferecendo novas oportunidades de tiro. Chegavam, por vezes, a poisar no mesmo local, e este procedimento repetia-se. Com uma arma de tiro semiautomático, um certo senhor Wheeler abateu de uma vez trinta e sete aves. Ocasionalmente podia observar-se pelos binóculos que o bando tinha poisado quatro ou cinco quilómetros mais adiante. A cavalo ou de carro, os caçadores dirigiam-se rapidamente ao seu encontro, e continuavam a chacina...
Nos anos oitenta, os efectivos de maçaricões diminuíram rapidamente...(...)
Nas encostas de declive ligeiro havia gafanhotos por todo o lado, e pastavam grandes rebanhos de carneiros. O capim estava tosado e rente, por isso era fácil encontrar os insectos. Os maçaricões comeram até terem os papos e os estômagos cheios. Ao escurecer já milhares de aves partiam. Não podiam ver-se na escuridão, salvo quando uma delas riscava o disco da lua, como um traço de sombra. Mas ouviam-se constantemente os seus gritos leves. Porém os maçaricões não tinham pressa, pois no Árctico era ainda inverno, e aqui podiam acumular gordura para o caminho até à reserva.
Esperaram uma semana, comeram muito e voavam cada dia um pouco mais para norte. Os seus corpos ficaram outra vez redondos e nédios, e agora, de novo com forças, ardia neles o impulso de acasalamento, como uma febre. No princípio da semana atingiram a ponta da península de Yucatán. Oitocentos quilómetros a norte, do outro lado do golfo do México, ficavam os pântanos da costa da Louisiana e do Texas, atrás dos quais se estendiam, quase até ao Árctico, as pradarias sem fim.
O CORREDOR DA MORTE
... Mas pior que tudo era a carnificina, quando as aves, na primavera, atravessavam o golfo do México, e se deslocavam em bandos pelas planícies norte-americanas.
Estes bandos enormes recordavam aos habitantes das pradarias os pombos-torcazes, e por isso os maçaricões foram chamados “pombos da pradaria”. Voavam aos milhares, em quantidades tais que os bandos mediam às vezes mil metros de comprimento por cem de largura. Quando poisavam, cobriam quarenta a cinquenta acres de solo. A matança era nesse tempo uma coisa inimaginável. Vinham caçadores de Omaha, no Nebraska, e abatiam as aves sem piedade, abatiam-nas literalmente às carradas. As aves mortas eram mesmo empilhadas em carros abertos, que chegavam a precisar de taipais laterais. Quando os bandos eram particularmente numerosos, e os caçadores dispunham de munições em abundância, os carros enchiam-se depressa. Despejavam-se então carregamentos inteiros na pradaria. As aves ficavam ali em pilhas enormes, como se de um monte de carvão se tratasse. Deixavam-nos a apodrecer, e os caçadores enchiam os seus carros com novas vítimas.
Tal carnificina só era possível pela dimensão dos bandos e pela mansidão das aves. Por cada tiro caíam normalmente dúzias delas ao chão. Certa vez um caçador abateu vinte e oito, com um único tiro de uma velha escopeta de carregar pela boca. E do bando que continuou a voar caíram ainda algumas aves mortas, nos mil metros seguintes. Voavam tão cerradas que era quase impossível atirar-lhes uma pedrada sem atingir uma delas...
Ao lado dos muitos fuzileiros que abatiam estas aves apenas para consumo próprio ou pelo prazer de matar, havia caçadores profissionais, que abasteciam os mercados e perseguiam sistematicamente os bandos...
Através de binóculos, os caçadores observavam a progressão do voo... Cada um podia aproximar-se das aves poisadas até uma distância de vinte e cinco ou trinta metros. Uma vez aí, os caçadores esperavam que elas se colocassem na melhor posição de fogo, após o que era disparada a primeira salva. Desorientadas, as aves levantavam voo e descreviam um par de círculos no ar, oferecendo novas oportunidades de tiro. Chegavam, por vezes, a poisar no mesmo local, e este procedimento repetia-se. Com uma arma de tiro semiautomático, um certo senhor Wheeler abateu de uma vez trinta e sete aves. Ocasionalmente podia observar-se pelos binóculos que o bando tinha poisado quatro ou cinco quilómetros mais adiante. A cavalo ou de carro, os caçadores dirigiam-se rapidamente ao seu encontro, e continuavam a chacina...
Nos anos oitenta, os efectivos de maçaricões diminuíram rapidamente...(...)
Planeta-Mãe - 31
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ALIMENTAR OS LUCROS
Alimentar as populações é uma actividade lucrativa e durável: sejam quais forem as evoluções futuras, o Ser Humano tem que continuar a alimentar-se para viver. Assim, produzir e distribuir alimentos tornou-se um meio de alimentar os lucros. Toda a organização da cadeia alimentar actual é marcada por esta lógica.
ECONOMIAS DE ESCALA
Tornar-se sempre maior e mais forte é um meio de assumir uma posição de força sobre os mercados. Seja para comprar matérias-primas mais baratas, ou para vender os produtos acabados o mais caro possível, esta estratégia tem uma lógica económica.
Na selva capitalista, onde imperam o instinto predatório e a lei do mais forte, a globalização responde igualmente a uma outra necessidade: reduzir o número de concorrentes, para obter uma posição dominante no mercado mundial. No fim só pode restar um! Se se tratasse aqui dum jogo de sociedade, haveria matéria para rir. Porém hoje é o funcionamento da nossa cadeia alimentar que foi moldada por esta lei da selva. A Vida e a Natureza ensinam-nos que nenhuma entidade é viável sozinha. Mas os actores da economia mundial parece que não conhecem esta regra.
Hoje, a sobrevivência alimentar de mais de 90% da população ocidental está nas mãos de gigantes da economia mundial e liberal: as multinacionais da agro-química, do agro-alimentar e da grande distribuição.
A poder de fusões, aquisições e outras OPA’s, a indústria agro-alimentar tornou-se um sector de actividade maior, em França e no mundo. Algumas multinacionais repartem este sumarento mercado mundial. Os accionistas de Danone, Nestlé e Kraftfood têm bons dividendos atrás deles, e à sua frente.
A lei do mais forte, as deslocalizações, a política da compra em baixa, as recompras selvagens para desmantelamento, são outras tantas práticas que fazem furor no sector há alguns anos. Como todos os sectores submetidos às leis do mercado capitalista, o sector do agro-alimentar está impregnado do medo de ser engolido, do desejo de engolir o outro e da busca perpétua de melhores lucros.
É neste contexto que as confeitarias LU, recompradas pelo grupo Danone há uns anos, se tornaram americanas em 2007. Os empregados das duas últimas fábricas francesas temem ver o seu lugar fechado para deslocalização para países “low cost”. Resposta da nova direcção: a questão não tem actualidade! A actualidade do mundo dos negócios mostra que aquilo que não está na ordem dum dia, pode muito bem passar depressa à ordem do dia seguinte.
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ALIMENTAR OS LUCROS
Alimentar as populações é uma actividade lucrativa e durável: sejam quais forem as evoluções futuras, o Ser Humano tem que continuar a alimentar-se para viver. Assim, produzir e distribuir alimentos tornou-se um meio de alimentar os lucros. Toda a organização da cadeia alimentar actual é marcada por esta lógica.
ECONOMIAS DE ESCALA
Tornar-se sempre maior e mais forte é um meio de assumir uma posição de força sobre os mercados. Seja para comprar matérias-primas mais baratas, ou para vender os produtos acabados o mais caro possível, esta estratégia tem uma lógica económica.
Na selva capitalista, onde imperam o instinto predatório e a lei do mais forte, a globalização responde igualmente a uma outra necessidade: reduzir o número de concorrentes, para obter uma posição dominante no mercado mundial. No fim só pode restar um! Se se tratasse aqui dum jogo de sociedade, haveria matéria para rir. Porém hoje é o funcionamento da nossa cadeia alimentar que foi moldada por esta lei da selva. A Vida e a Natureza ensinam-nos que nenhuma entidade é viável sozinha. Mas os actores da economia mundial parece que não conhecem esta regra.
Hoje, a sobrevivência alimentar de mais de 90% da população ocidental está nas mãos de gigantes da economia mundial e liberal: as multinacionais da agro-química, do agro-alimentar e da grande distribuição.
A poder de fusões, aquisições e outras OPA’s, a indústria agro-alimentar tornou-se um sector de actividade maior, em França e no mundo. Algumas multinacionais repartem este sumarento mercado mundial. Os accionistas de Danone, Nestlé e Kraftfood têm bons dividendos atrás deles, e à sua frente.
A lei do mais forte, as deslocalizações, a política da compra em baixa, as recompras selvagens para desmantelamento, são outras tantas práticas que fazem furor no sector há alguns anos. Como todos os sectores submetidos às leis do mercado capitalista, o sector do agro-alimentar está impregnado do medo de ser engolido, do desejo de engolir o outro e da busca perpétua de melhores lucros.
É neste contexto que as confeitarias LU, recompradas pelo grupo Danone há uns anos, se tornaram americanas em 2007. Os empregados das duas últimas fábricas francesas temem ver o seu lugar fechado para deslocalização para países “low cost”. Resposta da nova direcção: a questão não tem actualidade! A actualidade do mundo dos negócios mostra que aquilo que não está na ordem dum dia, pode muito bem passar depressa à ordem do dia seguinte.
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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
Hora do folhetim - 41
(...)
O sol caiu para oeste. Ele estava de tal modo enfraquecido que nem a mais tenaz força de vontade lhe permitia já bater as asas tão depressa como até aqui. Mas manteve-se à frente. As suas batidas abrandaram, a velocidade diminuiu. A fêmea notou-o, e agora, depois de vinte e quatro horas de silêncio, enviou-lhe suaves e garganteados gorgeios de ternura. Isso deu-lhe mais força do que o alimento ou o descanso. Ela repetiu o gesto muitas vezes. O sol estava um pouco acima do horizonte, o mar resplandecia, doirado, como uma pedra preciosa, e as asas dele transportavam-nos, incansáveis.
Estava o sol a pôr-se quando algo azul escuro, fino e vaporoso, apareceu no horizonte, sobre o azul claro do mar. Durante alguns minutos pareceu uma nuvem. Depois ganhou mais consistência, tornou-se numa faixa de costa, e finalmente surgiram lá atrás os contornos denteados das montanhas da Guatemala e das Honduras. Os cumes vulcânicos longínquos sobressaíam claramente. A mancha azul, junto ao mar, tornou-se verde, e onde ela terminava apareceu a faixa branca da rebentação. Quando os maçaricões atingiram a praia orlada de palmeiras, dispunham ainda de meia hora de claridade e começaram logo a comer. Ao chegar a escuridão, já a tortura da fome e do esgotamento diminuía.
Durante toda a manhã seguinte trataram de se alimentar. Mas não havia muita comida, pois a praia era estreita e fora varrida pela rebentação. Ao meio dia, apesar do enorme calor, as aves prosseguiram o voo. Agora dirigiam-se terra adentro, pois era verão na América Central, e as pradarias altas fervilhavam de gafanhotos. Voavam sobre a zona costeira, que subia lentamente até às montanhas. O solo vulcânico, escuro e fértil, produzia frutos exuberantes, cocos, bananas e cana sacarina. Uma hora depois estavam a 1500 metros acima do nível do mar, e chegaram a uma zona mais temperada, com ar frio e seco. Continuaram a subir, avançaram para as montanhas e alcançaram um estreito vale que conduzia a um planalto mais elevado.
Voaram durante quatro horas. Finalmente poisaram trezentos quilómetros para o interior, num planalto acidentado. Aqui juntaram-se pela primeira vez a outras aves de arribação, que iam ao encontro da primavera na América do Norte. Bandos inteiros de tangarás, tordos e piscos procuravam alimento afanosamente, nos vales arborizados. Tinham que acumular energias para os longos voos nocturnos. Nas altas pradarias, os maçaricões encontravam bandos de narcejas e de estorninhos. Mas não se ouvia qualquer cantar. Isso só aconteceria na reserva de criação, e, para a maior parte deles, ela distava ainda mais de três mil quilómetros.
(...)
O sol caiu para oeste. Ele estava de tal modo enfraquecido que nem a mais tenaz força de vontade lhe permitia já bater as asas tão depressa como até aqui. Mas manteve-se à frente. As suas batidas abrandaram, a velocidade diminuiu. A fêmea notou-o, e agora, depois de vinte e quatro horas de silêncio, enviou-lhe suaves e garganteados gorgeios de ternura. Isso deu-lhe mais força do que o alimento ou o descanso. Ela repetiu o gesto muitas vezes. O sol estava um pouco acima do horizonte, o mar resplandecia, doirado, como uma pedra preciosa, e as asas dele transportavam-nos, incansáveis.
Estava o sol a pôr-se quando algo azul escuro, fino e vaporoso, apareceu no horizonte, sobre o azul claro do mar. Durante alguns minutos pareceu uma nuvem. Depois ganhou mais consistência, tornou-se numa faixa de costa, e finalmente surgiram lá atrás os contornos denteados das montanhas da Guatemala e das Honduras. Os cumes vulcânicos longínquos sobressaíam claramente. A mancha azul, junto ao mar, tornou-se verde, e onde ela terminava apareceu a faixa branca da rebentação. Quando os maçaricões atingiram a praia orlada de palmeiras, dispunham ainda de meia hora de claridade e começaram logo a comer. Ao chegar a escuridão, já a tortura da fome e do esgotamento diminuía.
Durante toda a manhã seguinte trataram de se alimentar. Mas não havia muita comida, pois a praia era estreita e fora varrida pela rebentação. Ao meio dia, apesar do enorme calor, as aves prosseguiram o voo. Agora dirigiam-se terra adentro, pois era verão na América Central, e as pradarias altas fervilhavam de gafanhotos. Voavam sobre a zona costeira, que subia lentamente até às montanhas. O solo vulcânico, escuro e fértil, produzia frutos exuberantes, cocos, bananas e cana sacarina. Uma hora depois estavam a 1500 metros acima do nível do mar, e chegaram a uma zona mais temperada, com ar frio e seco. Continuaram a subir, avançaram para as montanhas e alcançaram um estreito vale que conduzia a um planalto mais elevado.
Voaram durante quatro horas. Finalmente poisaram trezentos quilómetros para o interior, num planalto acidentado. Aqui juntaram-se pela primeira vez a outras aves de arribação, que iam ao encontro da primavera na América do Norte. Bandos inteiros de tangarás, tordos e piscos procuravam alimento afanosamente, nos vales arborizados. Tinham que acumular energias para os longos voos nocturnos. Nas altas pradarias, os maçaricões encontravam bandos de narcejas e de estorninhos. Mas não se ouvia qualquer cantar. Isso só aconteceria na reserva de criação, e, para a maior parte deles, ela distava ainda mais de três mil quilómetros.
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Planeta-Mãe - 30
(...)
REVOLUÇÃO VERDE?
Nos primeiros anos, a agricultura intensiva cumpriu as suas promessas. A melhoria de rendimentos por hectare foi fenomenal. A mecanização, as sementes seleccionadas e os tratamentos químicos permitiram colheitas abundantes, exigindo cada vez menos mão-de-obra. Deste ponto de vista, esta revolução agrícola foi um sucesso. Sem ela, a revolução industrial que se fez em paralelo não teria lugar. E o mundo em que vivemos hoje não poderia existir.
A história quis que o período fasto da revolução agrícola coincidisse com as horas de glória da sociedade industrial: os 30 anos gloriosos, os anos 60, o rock-and-roll, os dias felizes. Os novos equipamentos consolaram-nos de certas tarefas aviltantes. Quem renunciaria hoje à sua máquina de lavar roupa?
A escassez de mão-de-obra colocava os assalariados em posição de força, perante o patronato. Numerosos direitos e vantagens foram adquiridos nesta época. Não existia o medo do desemprego e da exclusão. Os jovens podiam olhar o futuro com confiança, mesmo se alguns aspiravam a outro modelo. Foi o caso de numerosos jovens nascidos depois da guerra, que no fim dos anos 60 recusaram o único modelo imposto. (…)
Nesses tempos não muito longínquos, a ciência e a tecnologia fizeram-nos crer que tudo era possível. A medicina avançava a passos largos, deixando planar a doce ideia de que um dia venceríamos a própria morte. Em 1958 os russos punham em órbita o Sputnik, o seu primeiro satélite. Quatro anos mais tarde Youri Gagarine era o primeiro homem no espaço. Alguns anos depois os americanos poisaram na lua.
As pesquisas agronómicas avançavam igualmente bem. A melhoria das espécies por hibridação acelerou-se, ao mesmo tempo que novas moléculas químicas apareciam todos os anos. A impressão de domínio dos processos da terra e dos ciclos do Vivo gerou um sentimento de soberania alimentar. Uma soberania enfim definitiva, permitindo classificar as penúrias alimentares e as fomes na lista das más lembranças medievas.
Este sucesso foi qualificado como “revolução verde”. O contexto histórico e o estado dos conhecimentos da época justificavam o título. Esta revolução permitiu às gerações do pós-guerra entregar-se plenamente às delícias materialistas e ilusórias da sociedade de consumo, sem se preocupar com a sobrevivência alimentar. Em apenas 3 gerações, para uma maioria de nós, tornou-se quase total a desconecção com a nossa terra alimentadora. Hoje 70% dos franceses vivem na cidade. Uma boa parte deles nasceu lá. A maior parte deles ignora como é que cresce aquilo que comem.
Desligados da terra que cultivam do alto dos seus tractores, os agricultores perderam igualmente o contacto com os consumidores que alimentam. Os interlocutores mudaram sensivelmente, ao mesmo tempo que a sua actividade era fagocitada pelo sistema capitalista. Alimentar as populações tornou-se um meio de alimentar os lucros…
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REVOLUÇÃO VERDE?
Nos primeiros anos, a agricultura intensiva cumpriu as suas promessas. A melhoria de rendimentos por hectare foi fenomenal. A mecanização, as sementes seleccionadas e os tratamentos químicos permitiram colheitas abundantes, exigindo cada vez menos mão-de-obra. Deste ponto de vista, esta revolução agrícola foi um sucesso. Sem ela, a revolução industrial que se fez em paralelo não teria lugar. E o mundo em que vivemos hoje não poderia existir.
A história quis que o período fasto da revolução agrícola coincidisse com as horas de glória da sociedade industrial: os 30 anos gloriosos, os anos 60, o rock-and-roll, os dias felizes. Os novos equipamentos consolaram-nos de certas tarefas aviltantes. Quem renunciaria hoje à sua máquina de lavar roupa?
A escassez de mão-de-obra colocava os assalariados em posição de força, perante o patronato. Numerosos direitos e vantagens foram adquiridos nesta época. Não existia o medo do desemprego e da exclusão. Os jovens podiam olhar o futuro com confiança, mesmo se alguns aspiravam a outro modelo. Foi o caso de numerosos jovens nascidos depois da guerra, que no fim dos anos 60 recusaram o único modelo imposto. (…)
Nesses tempos não muito longínquos, a ciência e a tecnologia fizeram-nos crer que tudo era possível. A medicina avançava a passos largos, deixando planar a doce ideia de que um dia venceríamos a própria morte. Em 1958 os russos punham em órbita o Sputnik, o seu primeiro satélite. Quatro anos mais tarde Youri Gagarine era o primeiro homem no espaço. Alguns anos depois os americanos poisaram na lua.
As pesquisas agronómicas avançavam igualmente bem. A melhoria das espécies por hibridação acelerou-se, ao mesmo tempo que novas moléculas químicas apareciam todos os anos. A impressão de domínio dos processos da terra e dos ciclos do Vivo gerou um sentimento de soberania alimentar. Uma soberania enfim definitiva, permitindo classificar as penúrias alimentares e as fomes na lista das más lembranças medievas.
Este sucesso foi qualificado como “revolução verde”. O contexto histórico e o estado dos conhecimentos da época justificavam o título. Esta revolução permitiu às gerações do pós-guerra entregar-se plenamente às delícias materialistas e ilusórias da sociedade de consumo, sem se preocupar com a sobrevivência alimentar. Em apenas 3 gerações, para uma maioria de nós, tornou-se quase total a desconecção com a nossa terra alimentadora. Hoje 70% dos franceses vivem na cidade. Uma boa parte deles nasceu lá. A maior parte deles ignora como é que cresce aquilo que comem.
Desligados da terra que cultivam do alto dos seus tractores, os agricultores perderam igualmente o contacto com os consumidores que alimentam. Os interlocutores mudaram sensivelmente, ao mesmo tempo que a sua actividade era fagocitada pelo sistema capitalista. Alimentar as populações tornou-se um meio de alimentar os lucros…
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