sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Hora do folhetim - 4

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Duas espécies de maçaricões nidificam na tundra árctica: o esquimó e o norte-americano, que é mais abundante e um pouco maior. Na extensa família das narcejas, dos maçaricos-das-rochas e das tarambolas, são eles que têm as pernas e os bicos mais compridos. E, tratando-se embora de duas espécies diferentes, dificilmente se distinguem pelo aspecto exterior.
O dia árctico era longo. E, apesar do vento fresco que corria sobre a tundra, a atmosfera mantinha-se quente e húmida. O maçaricão esgaravatou o solo pantanoso em busca de alimento, e depois regressou à guarda da reserva, observando atentamente o horizonte plano. Pouco antes do meio-dia surgiu ao longe, do norte, um búteo-calçado. Descreveu círculos sobre o rio e atacou um pequeno roedor descuidado que se aventurou no musgo. Aos poucos, o grande caçador aproximou-se da reserva, e o maçaricão observou-o, temeroso. Finalmente o búteo atravessou a fronteira. Embora não marcada no solo, ela estava perfeitamente definida no cérebro do maçaricão. E logo este levantou voo e iniciou uma veloz perseguição. As suas asas batiam fortemente, e, quando se aproximou do intruso, cujo corpo era dez vezes mais pesado que o seu, soltou da garganta um grito de aviso agudo e estridente.
Durante alguns segundos o búteo não deu qualquer atenção aos gritos de ameaça. Depois rodou para norte e partiu sem luta. Teria podido matar o maçarico com um simples golpe de garras. Mas só matava quando precisava de alimento, e voluntariamente deixou o campo livre a uma ave que o fogo do acasalamento havia tornado tão insensata.
O sol pôs-se entretanto, mas a vista não se desvaneceu. E, como um véu, a noite árctica desceu pela primeira vez sobre o maçaricão. Depressa a tundra arrefeceu, e parou de repente o vento que uivara durante todo o dia. Seguiu-se uma atmosfera de penumbra, que não era propriamente escuridão.
Por um impulso instintivo que ele não entendia, o maçaricão sentiu-se atraído para o monte seco de rochas, em cuja base se achava o tapete de musgo que havia de abrigar o ninho. Este era o seu quinto verão e ele nunca tivera um ninho, nem uma vez sequer avistara uma fêmea da sua espécie. Só vagamente se lembrava do ninho e da mãe, no seu tempo de infância. Mas sabia, sem o ter aprendido, como se corteja uma fêmea e como se faz um ninho, como se isso viesse duma vida anterior.
Agora dormia, apoiado numa só perna e com o bico escondido nas penas do dorso. Dormia ao lado das rochas. Em breve o ninho estaria ali, era o que o instinto lhe dizia. Amanhã ou depois chegaria a fêmea, pois o curto ciclo da vida no Árctico não permitia demoras.
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