(...)
Tinham falhado a partida. Mas agora tanto as tarambolas como o maçaricão estavam impacientes por iniciar a longa viagem. Tentaram-no mais que uma vez em vão. Inquieto, ele esperava condições de tempo propícias, mas fazia-se tarde e eram raros os dias bons. As névoas aclaravam, mas o vendaval rugiu durante três dias e três noites, para os lados do sul. Com interrupções, as aves continuaram a devorar caracóis e arandos já murchos. E ao quarto dia o vento mudou. Mais fraco e mais frio, soprava agora do norte. Este vento de cauda era tão desfavorável como o vento de frente, pois dificultava o equilíbrio do voo e afectava os delicados controles reflexos das rémiges. Durante três dias assobiou o vento norte. Até que lentamente acalmou, e no terceiro dia à noite virou de oeste, agora apenas uma ligeira brisa. O maçaricão tinha aguardado este vento de lado. E a noite caiu, clara e fria.
As aves levantaram voo, ganharam altura e cerraram a formação, com o maçaricão à cabeça. Tudo aconteceu com a precisão habitual, dir-se-ia quase automática. Ele e muitas tarambolas já tinham alguma vez superado este sobrevoo outonal do oceano, mas guardavam disso apenas uma vaga lembrança. A maior parte ficou confusa quando, de manhã, só mar deserto e vazio se estendia por baixo deles. Mas continuariam a voar sempre em frente, passaria mais uma noite e uma manhã, e debaixo deles estender-se-ia ainda o mesmo mar. As aves sabiam que ele era um elemento hostil, só em terra e no ar se sentiam à vontade. Quando não havia agitação no mar e excepcionalmente a água estava calma, poisavam algum tempo na superfície líquida e permitiam-se uns momentos de descanso. Porém, nadavam muito desajeitadamente. As suas penas não eram suficientemente gordurosas e encharcavam-se rapidamente. No alto mar raramente havia condições que permitissem poisar, mesmo momentaneamente. Por norma tinham que realizar o longo voo sem qualquer pausa, sem alimento e sem descanso.
A luz calorosa do norte brilhava ainda atrás deles, no céu do Lavrador. Mas apenas voltariam a ver terra quando poisassem na margem de um rio, na selva húmida da Guiana ou da Venezuela, com as penas desgrenhadas e os músculos entorpecidos de cansaço. No entanto, ao levantar voo, fizeram-no sem hesitação nem medo. Não reconheciam o dramatismo do momento, sentindo apenas um vago alívio por terem finalmente iniciado a viagem. Era uma bênção os seus pequenos cérebros não poderem alcançar a nua realidade: criaturas minúsculas como eram, simples matéria aprisionada pela terra, desafiavam, mesmo assim, o mar e o céu imensos.
O CORREDOR DA MORTE
Para incrementar e divulgar o conhecimento humano. Instituto Smithsoniano, Washington. Relatório anual da comissão de vigilância, sobre o ano que finda em 30 de Junho de 1915...
Durante os meses de Agosto e Setembro, muitos anos ainda depois dos meados do séc. XIX, chegavam à Terra Nova e às ilhas da Madalena, no golfo de São Lourenço, milhões de maçaricões-esquimós, que obscureciam o céu... Grupos de 25 e 30 homens abatiam num único dia duas mil aves, que iam para a feitoria da Companhia da baía do Hudson, em Cartwright, no Lavrador.
Os pescadores costumavam salgar estas aves em barricas. À noite, quando dormiam nas escarpas da costa em grande número, homens equipados de lanternas para as encandear podiam aproximar-se delas e abatê-las em massa, à cacetada.
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Planeta-Mãe - 7
(...)
Para produzir um quilo de carne de vaca, são necessários 13.500 litros de água. E é a estimativa mais baixa. Alguns estudos apontam para 44.000 litros. A título de comparação, produzir um quilo de trigo exige mil litros de água. Cerca de 60% da água consumida em França serve para irrigar culturas destinadas à alimentação do gado.
Aparte outras considerações respeitantes à economia de água, a primeira coisa a fazer ao nível individual é reduzir o nosso consumo de carne.
A agricultura intensiva modificou igualmente a estrutura e a natureza dos solos. Uma terra cultivada quimicamente deixa de conter húmus. O seu solo é mineral. E nestas condições, sejam argilosos ou arenosos, os solos perdem a capacidade de reter a água. Num caso e noutro, o remédio é o húmus, a matéria negra que encontramos nas florestas. Cada um de nós pode produzir esta matéria, imitando a natureza: chama-se a isso a compostagem. Milhões de metros cúbicos de húmus desaparecem todos os anos no mundo, por efeito dos produtos químicos.
A terra e o húmus são o filtro natural da água que alimenta os lençóis freáticos. Este filtro deixou de funcionar, o que favorece a entrada de águas poluídas nas reservas subterrâneas. Por causa das nossas práticas agrícolas e da criação intensiva de gado, as águas subterrâneas estão cada vez mais poluídas. Os excrementos do gado constituem 50% da poluição dos lençóis freáticos do mundo. E se um dia viermos a conhecer uma situação de escassez de água, ela incluirá também a água potável. Numerosas regiões de França vivem já sob o peso desta ameaça.
Em consequência da canícula de 2003 em França, o uso de ar condicionado aumentou fortemente. Ora estes aparelhos são vorazes em termos eléctricos. Nesse ano, alguns reactores nucleares tiveram que ser afrouxados ou parados, por insuficiente arrefecimento. Por ser demasiado baixo o débito dos cursos de água que alimentavam as torres de refrigeração.
As consequências da nossa gestão da água ultrapassam largamente o quadro doméstico. E no entanto, tal como a alimentação, a água parece votada a tornar-se cada vez mais rara e preciosa. Por causa das práticas agrícolas actuais e futuras, as bombagens vão aumentar, ao mesmo tempo que prosseguirá a aceleração do ciclo hidrológico. Além da evolução do clima, há numerosas razões para pensar que um dia a penúria de água atingirá a França, tal como numerosos países que se consideram ao abrigo desse perigo.
(...)
Para produzir um quilo de carne de vaca, são necessários 13.500 litros de água. E é a estimativa mais baixa. Alguns estudos apontam para 44.000 litros. A título de comparação, produzir um quilo de trigo exige mil litros de água. Cerca de 60% da água consumida em França serve para irrigar culturas destinadas à alimentação do gado.
Aparte outras considerações respeitantes à economia de água, a primeira coisa a fazer ao nível individual é reduzir o nosso consumo de carne.
A agricultura intensiva modificou igualmente a estrutura e a natureza dos solos. Uma terra cultivada quimicamente deixa de conter húmus. O seu solo é mineral. E nestas condições, sejam argilosos ou arenosos, os solos perdem a capacidade de reter a água. Num caso e noutro, o remédio é o húmus, a matéria negra que encontramos nas florestas. Cada um de nós pode produzir esta matéria, imitando a natureza: chama-se a isso a compostagem. Milhões de metros cúbicos de húmus desaparecem todos os anos no mundo, por efeito dos produtos químicos.
A terra e o húmus são o filtro natural da água que alimenta os lençóis freáticos. Este filtro deixou de funcionar, o que favorece a entrada de águas poluídas nas reservas subterrâneas. Por causa das nossas práticas agrícolas e da criação intensiva de gado, as águas subterrâneas estão cada vez mais poluídas. Os excrementos do gado constituem 50% da poluição dos lençóis freáticos do mundo. E se um dia viermos a conhecer uma situação de escassez de água, ela incluirá também a água potável. Numerosas regiões de França vivem já sob o peso desta ameaça.
Em consequência da canícula de 2003 em França, o uso de ar condicionado aumentou fortemente. Ora estes aparelhos são vorazes em termos eléctricos. Nesse ano, alguns reactores nucleares tiveram que ser afrouxados ou parados, por insuficiente arrefecimento. Por ser demasiado baixo o débito dos cursos de água que alimentavam as torres de refrigeração.
As consequências da nossa gestão da água ultrapassam largamente o quadro doméstico. E no entanto, tal como a alimentação, a água parece votada a tornar-se cada vez mais rara e preciosa. Por causa das práticas agrícolas actuais e futuras, as bombagens vão aumentar, ao mesmo tempo que prosseguirá a aceleração do ciclo hidrológico. Além da evolução do clima, há numerosas razões para pensar que um dia a penúria de água atingirá a França, tal como numerosos países que se consideram ao abrigo desse perigo.
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sábado, 9 de janeiro de 2010
Hora do folhetim - 16
(...)
Agora apenas tinham que comer durante duas semanas e acumular gordura para o longo voo do Atlântico, até à América do Sul. Agosto ia a meio e o verão no Lavrador quase tinha passado. As noites geladas alternavam com dias carregados de nevoeiro. Elas comiam as bagas dos arandos, comiam e comiam, até as pernas e os bicos e as penas e os excrementos ficarem manchados de sumo púrpura. Quando por vezes a névoa se dissipava e aparecia o sol, o que era raro, voavam até à praia, na maré baixa, e procuravam caracóis e camarões.
Dia após dia deparavam com um bando de tarambolas-douradas. O maçaricão deixava então de procurar alimento, e passava uma vista de olhos pelo bando, à procura dum companheiro da espécie. Mas não aparecia nenhum, e do género das narcejas apenas as tarambolas-douradas faziam caminho por aqui. Havia, porém, muitas outras aves, sobretudo gaivotas, que gritavam roucas na neblina. Em frente da costa passavam eider-reais, em infindáveis bandos pretos e brancos. As tordas-mergulheiras e os araus, com as suas asas curtas e o voo pesadão, grasnavam e brigavam ainda nos picos da falésia, onde tinham criado as ninhadas.
Nesta inactividade, o maçaricão e as tarambolas acumularam gordura muito rapidamente. Os seus peitos ficaram de novo redondos e macios, da gordura armazenada sobre os poderosos músculos. Agosto ia no fim, e de novo a antiga inquietação se apoderou deles. Quando o tempo aclarava e o vento era favorável, milhares de tarambolas levantavam voo e dirigiam-se para sul, por sobre o golfo de São Lourenço, na direcção do imenso Atlântico. Mas o maçaricão esperava ainda, qualquer coisa o refreava. O seu pequeno cérebro podia senti-la, embora não a soubesse definir. Vagamente considerava apenas que os maçaricões-esquimós tinham que seguir este caminho, no regresso da tundra.
A sua impaciência foi crescendo e ele achava-se dividido entre o desejo de partir e o de esperar um pouco mais. Esta intranquilidade serenou um pouco quando começou a voar com o seu bando, junto à costa. Eram longos troços, com ele no comando. Então algumas aves abandonavam a formação e juntavam-se, às duas e três, a outras tarambolas que partiam para o sul. Quando chegou Setembro e as noites se tornaram de repente mais frias, o bando já tinha apenas metade do tamanho inicial. Dos bancos de nuvens que deslizavam do mar para terra caíam de vez em quando grandes flocos de neve. As últimas tarambolas tinham partido. Restava apenas o seu bando, para além das gaivotas e dos eider-reais.
Os arandos ficaram inteiriçados sob o gelo e já não deitavam sumo, tornando escasso o alimento. E a gordura que todos tinham armazenado como reserva de energia para a travessia do oceano começava já, demasiado cedo, a ser utilizada.
Finalmente o maçaricão não pôde mais refrear o impulso migratório. E, após um dia tempestuoso em que as temperaturas pouco tinham subido além do ponto de congelação, caía a noite fria quando ele bateu as asas e se elevou no céu sombrio. O tecto de nuvens estava baixo e o bando organizou rapidamente a formação, dirigindo-se para o mar, com forte vento de frente. A esta altitude o vento fustigava-o já como uma tempestade, o que lhe reduzia a velocidade para apenas metade. Frequentes rajadas tempestuosas desorganizavam a formação, e um par de tarambolas mais fracas ficaram para trás. Antes de perder de vista a acidentada costa do Lavrador, o maçaricão soube que não poderiam prosseguir o voo nestas condições. Por isso voltou para trás e poisou o bando numa encosta abrigada do vento. O temporal bramia por cima deles.
(...)
Agora apenas tinham que comer durante duas semanas e acumular gordura para o longo voo do Atlântico, até à América do Sul. Agosto ia a meio e o verão no Lavrador quase tinha passado. As noites geladas alternavam com dias carregados de nevoeiro. Elas comiam as bagas dos arandos, comiam e comiam, até as pernas e os bicos e as penas e os excrementos ficarem manchados de sumo púrpura. Quando por vezes a névoa se dissipava e aparecia o sol, o que era raro, voavam até à praia, na maré baixa, e procuravam caracóis e camarões.
Dia após dia deparavam com um bando de tarambolas-douradas. O maçaricão deixava então de procurar alimento, e passava uma vista de olhos pelo bando, à procura dum companheiro da espécie. Mas não aparecia nenhum, e do género das narcejas apenas as tarambolas-douradas faziam caminho por aqui. Havia, porém, muitas outras aves, sobretudo gaivotas, que gritavam roucas na neblina. Em frente da costa passavam eider-reais, em infindáveis bandos pretos e brancos. As tordas-mergulheiras e os araus, com as suas asas curtas e o voo pesadão, grasnavam e brigavam ainda nos picos da falésia, onde tinham criado as ninhadas.
Nesta inactividade, o maçaricão e as tarambolas acumularam gordura muito rapidamente. Os seus peitos ficaram de novo redondos e macios, da gordura armazenada sobre os poderosos músculos. Agosto ia no fim, e de novo a antiga inquietação se apoderou deles. Quando o tempo aclarava e o vento era favorável, milhares de tarambolas levantavam voo e dirigiam-se para sul, por sobre o golfo de São Lourenço, na direcção do imenso Atlântico. Mas o maçaricão esperava ainda, qualquer coisa o refreava. O seu pequeno cérebro podia senti-la, embora não a soubesse definir. Vagamente considerava apenas que os maçaricões-esquimós tinham que seguir este caminho, no regresso da tundra.
A sua impaciência foi crescendo e ele achava-se dividido entre o desejo de partir e o de esperar um pouco mais. Esta intranquilidade serenou um pouco quando começou a voar com o seu bando, junto à costa. Eram longos troços, com ele no comando. Então algumas aves abandonavam a formação e juntavam-se, às duas e três, a outras tarambolas que partiam para o sul. Quando chegou Setembro e as noites se tornaram de repente mais frias, o bando já tinha apenas metade do tamanho inicial. Dos bancos de nuvens que deslizavam do mar para terra caíam de vez em quando grandes flocos de neve. As últimas tarambolas tinham partido. Restava apenas o seu bando, para além das gaivotas e dos eider-reais.
Os arandos ficaram inteiriçados sob o gelo e já não deitavam sumo, tornando escasso o alimento. E a gordura que todos tinham armazenado como reserva de energia para a travessia do oceano começava já, demasiado cedo, a ser utilizada.
Finalmente o maçaricão não pôde mais refrear o impulso migratório. E, após um dia tempestuoso em que as temperaturas pouco tinham subido além do ponto de congelação, caía a noite fria quando ele bateu as asas e se elevou no céu sombrio. O tecto de nuvens estava baixo e o bando organizou rapidamente a formação, dirigindo-se para o mar, com forte vento de frente. A esta altitude o vento fustigava-o já como uma tempestade, o que lhe reduzia a velocidade para apenas metade. Frequentes rajadas tempestuosas desorganizavam a formação, e um par de tarambolas mais fracas ficaram para trás. Antes de perder de vista a acidentada costa do Lavrador, o maçaricão soube que não poderiam prosseguir o voo nestas condições. Por isso voltou para trás e poisou o bando numa encosta abrigada do vento. O temporal bramia por cima deles.
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Um mundo feito à mão-6
Planeta-Mãe - 6
(...)
Ao mesmo tempo, as águas profundas vêm sendo cada vez mais bombeadas. O consumo de água tem aumentado fortemente, não só nos lares domésticos ou na indústria, mas sobretudo na agricultura. Esse consumo reparte-se do modo seguinte: 10% para o consumo doméstico, 20% para a indústria e 70% para a agricultura. Os lares domésticos têm a sua quota-parte de responsabilidade nesta situação: ela é consequência da evolução do nosso regime alimentar nas últimas décadas.
Símbolo de riqueza e de opulência, o consumo de carne e lacticínios aumentou fortemente. Embalada pela euforia e pelas ilusões dos “trinta anos gloriosos”, a revolução industrial quis tornar acessível às grandes massas o mito de “comer carne todos os dias”. Para isso impuseram-se aos criadores novas exigências: rapidez, produtividade e rentabilidade. Estas exigências não eram compatíveis com a engorda tradicional dos animais no prado. Tal como as culturas, os métodos de criação tornaram-se industriais. Assim surgiram as criações em estábulo. Mais de 90% da carne hoje produzida em França, saiu deste tipo de criações.
Para acelerar a engorda destes animais aprisionados, as culturas de plantas proteaginosas tornaram-se prioritárias. Na sua maior parte, não estão adaptadas ao nosso clima e solos. O milho, por exemplo, é originalmente uma planta subtropical que gosta de calor, um solo rico e água em abundância. Nas nossas latitudes, estas culturas são delicadas e necessitam de numerosos tratamentos químicos. Para ajudar os agricultores a fazer face aos elevados custos de produção, estas culturas foram subvencionadas. Sem isso, elas não seriam rentáveis. Actualmente, 70% das colheitas cerealíferas dos países desenvolvidos servem para alimentar o gado. Estas culturas são também as grandes consumidoras de água.
Para fazer face ao sério aumento das suas necessidades em água, os agricultores tornaram-se profissionais da bombagem. Instalaram redes de irrigação, alimentadas por potentes bombas, que extraem a água directamente dos lençóis freáticos. Irrigam-se profusamente os campos que foram drenados. E a água assim utilizada tem o mesmo destino das águas da chuva: escorre rapidamente até ao oceano. E como estas irrigações são feitas muitas vezes em pleno Verão, sem protecção do solo, uma parte evapora-se rapidamente. Há uma fuga no nosso consumo de água, uma fuga para a frente.
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Ao mesmo tempo, as águas profundas vêm sendo cada vez mais bombeadas. O consumo de água tem aumentado fortemente, não só nos lares domésticos ou na indústria, mas sobretudo na agricultura. Esse consumo reparte-se do modo seguinte: 10% para o consumo doméstico, 20% para a indústria e 70% para a agricultura. Os lares domésticos têm a sua quota-parte de responsabilidade nesta situação: ela é consequência da evolução do nosso regime alimentar nas últimas décadas.
Símbolo de riqueza e de opulência, o consumo de carne e lacticínios aumentou fortemente. Embalada pela euforia e pelas ilusões dos “trinta anos gloriosos”, a revolução industrial quis tornar acessível às grandes massas o mito de “comer carne todos os dias”. Para isso impuseram-se aos criadores novas exigências: rapidez, produtividade e rentabilidade. Estas exigências não eram compatíveis com a engorda tradicional dos animais no prado. Tal como as culturas, os métodos de criação tornaram-se industriais. Assim surgiram as criações em estábulo. Mais de 90% da carne hoje produzida em França, saiu deste tipo de criações.
Para acelerar a engorda destes animais aprisionados, as culturas de plantas proteaginosas tornaram-se prioritárias. Na sua maior parte, não estão adaptadas ao nosso clima e solos. O milho, por exemplo, é originalmente uma planta subtropical que gosta de calor, um solo rico e água em abundância. Nas nossas latitudes, estas culturas são delicadas e necessitam de numerosos tratamentos químicos. Para ajudar os agricultores a fazer face aos elevados custos de produção, estas culturas foram subvencionadas. Sem isso, elas não seriam rentáveis. Actualmente, 70% das colheitas cerealíferas dos países desenvolvidos servem para alimentar o gado. Estas culturas são também as grandes consumidoras de água.
Para fazer face ao sério aumento das suas necessidades em água, os agricultores tornaram-se profissionais da bombagem. Instalaram redes de irrigação, alimentadas por potentes bombas, que extraem a água directamente dos lençóis freáticos. Irrigam-se profusamente os campos que foram drenados. E a água assim utilizada tem o mesmo destino das águas da chuva: escorre rapidamente até ao oceano. E como estas irrigações são feitas muitas vezes em pleno Verão, sem protecção do solo, uma parte evapora-se rapidamente. Há uma fuga no nosso consumo de água, uma fuga para a frente.
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sábado, 2 de janeiro de 2010
Hora do folhetim - 15
(...)
4
Monotonamente sucederam-se noites de voo sem fim e dias inteiros a comer, nas águas paradas de pântanos. Atrás dos viajantes, a luz esverdeada do norte era cada vez mais fraca, e os seus peitorais ficavam cada vez mais fortes. Incansavelmente voavam todas as noites até à alvorada. Nos pântanos salgados da baía de James havia alimento abundante. E ficaram aqui muitos dias, empanturrando-se com os minúsculos animais do lodo, até finalmente o sul os chamar de novo. O maçaricão conduziu-os directamente para leste. Dirigiram-se para o Lavrador, por sobre as elevações erodidas do Quebec, na direcção dos recifes de gneisse do golfo de São Lourenço.
A manhã seguinte apareceu fria e nebulosa, e no ar havia um penetrante cheiro a sal. As aves notaram-no e o maçaricão guiou-as em frente, até que surgiu a aurora de um dia cinzento e sem sol. O ar aqueceu um pouco, os bancos de nevoeiro dissiparam-se, e atrás dos farrapos de nuvens viam-se, aqui e ali, manchas acastanhadas. Era o planalto costeiro, rochoso e escalvado. O cheiro a sal tornou-se mais forte e o maçaricão sabia que se aproximavam do mar. A névoa tornou-se de novo mais espessa. Mas ele manteve o rumo, embora à sua volta tudo fosse impenetravelmente branco. De repente chegaram-lhe aos ouvidos o estrondo da rebentação e os gritos das gaivotas. O maçaricão começou a descer em voo planado. Com glissagens ocasionais, controlou a velocidade de descida. As tarambolas rompiam a formação e seguiam-no. Nivelaram o voo alguns metros acima da água, tomaram a direcção das ondas e voaram sobre as cristas, até que as escarpas surgiram da neblina. Na sua frente erguia-se uma imensa parede rochosa. O maçaricão voara às cegas durante várias horas, mas falhara a costa apenas por um quilómetro.
As aves ganharam altitude, deslizaram sobre as falésias e poisaram. Lá estavam por todo o lado os ramos dos arandos, não muito diferentes das urzes. Em certos locais, os frutos purpúreos e carnudos eram tão grandes que ocultavam a folhagem, e as aves começaram imediatamente a comer. Um vento frio chegava do mar e alguns chuviscos caíram sobre elas. Após uma hora pararam de comer e encostaram-se umas às outras. Voltaram as cabeças contra o vento, para que a chuva deslizasse sobre as penas e escorresse pela cauda.
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4
Monotonamente sucederam-se noites de voo sem fim e dias inteiros a comer, nas águas paradas de pântanos. Atrás dos viajantes, a luz esverdeada do norte era cada vez mais fraca, e os seus peitorais ficavam cada vez mais fortes. Incansavelmente voavam todas as noites até à alvorada. Nos pântanos salgados da baía de James havia alimento abundante. E ficaram aqui muitos dias, empanturrando-se com os minúsculos animais do lodo, até finalmente o sul os chamar de novo. O maçaricão conduziu-os directamente para leste. Dirigiram-se para o Lavrador, por sobre as elevações erodidas do Quebec, na direcção dos recifes de gneisse do golfo de São Lourenço.
A manhã seguinte apareceu fria e nebulosa, e no ar havia um penetrante cheiro a sal. As aves notaram-no e o maçaricão guiou-as em frente, até que surgiu a aurora de um dia cinzento e sem sol. O ar aqueceu um pouco, os bancos de nevoeiro dissiparam-se, e atrás dos farrapos de nuvens viam-se, aqui e ali, manchas acastanhadas. Era o planalto costeiro, rochoso e escalvado. O cheiro a sal tornou-se mais forte e o maçaricão sabia que se aproximavam do mar. A névoa tornou-se de novo mais espessa. Mas ele manteve o rumo, embora à sua volta tudo fosse impenetravelmente branco. De repente chegaram-lhe aos ouvidos o estrondo da rebentação e os gritos das gaivotas. O maçaricão começou a descer em voo planado. Com glissagens ocasionais, controlou a velocidade de descida. As tarambolas rompiam a formação e seguiam-no. Nivelaram o voo alguns metros acima da água, tomaram a direcção das ondas e voaram sobre as cristas, até que as escarpas surgiram da neblina. Na sua frente erguia-se uma imensa parede rochosa. O maçaricão voara às cegas durante várias horas, mas falhara a costa apenas por um quilómetro.
As aves ganharam altitude, deslizaram sobre as falésias e poisaram. Lá estavam por todo o lado os ramos dos arandos, não muito diferentes das urzes. Em certos locais, os frutos purpúreos e carnudos eram tão grandes que ocultavam a folhagem, e as aves começaram imediatamente a comer. Um vento frio chegava do mar e alguns chuviscos caíram sobre elas. Após uma hora pararam de comer e encostaram-se umas às outras. Voltaram as cabeças contra o vento, para que a chuva deslizasse sobre as penas e escorresse pela cauda.
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Um mundo feito à mão-5
Planeta-Mãe - 5
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A ESCASSEZ DE ÁGUA
Sem água, o ser humano apenas sobrevive alguns dias. Sem água nada cresce. Se nada cresce, deixamos de comer. Sem alimento, estamos todos mortos ao fim de algumas dezenas de dias. A nossa vida está profundamente ligada à água. Hoje mais que nunca!
A agricultura intensiva é fortemente dependente da irrigação. Sem água, os adubos químicos não podem dissolver-se. Não se misturam no solo e não produzem efeitos. 90% das culturas francesas são de tipo intensivo, isto é, químico. Este tipo de culturas expandiu-se largamente pelo planeta, assegurando hoje o essencial da produção alimentar mundial.
Se a irrigação tivesse que ser reduzida, as plantas cultivadas não sofreriam apenas de desidratação, mas também de carência de nutrientes. Os rendimentos baixariam então vertiginosamente, bem mais do que no quadro duma cultura tradicional. Este fenómeno seria tanto mais determinante, quanto é verdade que uma das causas maiores da escassez de água é justamente a agricultura intensiva.
Note-se que falamos aqui de “escassez” de água e não de “seca”. A seca é um fenómeno climático, que corresponde a um deficit pluviométrico em determinado tempo e espaço. Com o tempo, a seca pode conduzir a situações de escassez. Mas a seca é apenas um factor entre muitos outros, que explicam o aumento deste risco de escassez.
A “escassez de água” corresponde a um esgotamento das reservas, isto é, o enfraquecimento dos lençóis freáticos. Em França, o nível dos lençóis freáticos baixou de maneira notável em 1976, que foi um ano de grande seca. Esta tendência prosseguiu depois, mais ou menos rapidamente conforme os anos. No entanto, a pluviometria não baixou em França no decurso dos últimos 30 anos. A forma que assumem as precipitações é que mudou: elas são mais raras, mas cada vez mais intensas. À escala global, esta tendência está provavelmente ligada às irregularidades climáticas. À escala local, ela é igualmente uma consequência das modificações do coberto vegetal sobre o território, como por exemplo a transformação da floresta de folhosas em floresta de resinosas. A interacção entre a actividade de evapo-transpiração das plantas e a pluviometria é hoje um fenómeno reconhecido.
Neste contexto, o ordenamento do território realizado desde o pós-guerra acelerou a fuga das águas pluviais. A betonagem, o alcatroamento, a canalização das fossas ou a rurbanização (urbanização do mundo rural), aceleraram consideravelmente o ciclo da água. Em muitas regiões, qualquer acontecimento climatérico excepcional, como uma tempestade, pode hoje provocar cheias catastróficas em regatos e ribeiras. Vivemos ao mesmo tempo sob a ameaça de escassez de água e de inundações repentinas.
Mas a mudança mais importante no ciclo hidrológico é aquela que é imposta pelos nossos métodos de cultura.
Os lençóis freáticos são alimentados pela infiltração das águas da chuva no solo. À escala do país, são os trinta milhões de hectares de terras aráveis que viram a sua estrutura modificada. Reter a água é o único meio de lhe permitir infiltrar-se no solo e alimentar os lençóis. Sem retenção, as águas escorrem para as ribeiras, os rios, o mar.
As grandes monoculturas mecanizadas fizeram desaparecer os obstáculos à escorrência das águas: muros, sebes, fossos, zonas húmidas, etc. Além disso, para evitar os riscos de apodrecimento e doença em caso de chuvas fortes, os campos foram drenados. Ora este ordenamento acelerou consideravelmente os processos de escorrência. À imagem da nossa sociedade, a água corre sempre, e cada vez mais depressa. Ela não tem espaço para fazer pausas, para afrouxar, para chegar ao fundo das coisas.
Seja ausente, seja demasiado abundante à superfície, a água que chega aos lençóis freáticos é cada vez mais escassa. E é igualmente cada vez mais poluída. 70% das reservas de água subterrânea de França estão poluídas.
(...)
A ESCASSEZ DE ÁGUA
Sem água, o ser humano apenas sobrevive alguns dias. Sem água nada cresce. Se nada cresce, deixamos de comer. Sem alimento, estamos todos mortos ao fim de algumas dezenas de dias. A nossa vida está profundamente ligada à água. Hoje mais que nunca!
A agricultura intensiva é fortemente dependente da irrigação. Sem água, os adubos químicos não podem dissolver-se. Não se misturam no solo e não produzem efeitos. 90% das culturas francesas são de tipo intensivo, isto é, químico. Este tipo de culturas expandiu-se largamente pelo planeta, assegurando hoje o essencial da produção alimentar mundial.
Se a irrigação tivesse que ser reduzida, as plantas cultivadas não sofreriam apenas de desidratação, mas também de carência de nutrientes. Os rendimentos baixariam então vertiginosamente, bem mais do que no quadro duma cultura tradicional. Este fenómeno seria tanto mais determinante, quanto é verdade que uma das causas maiores da escassez de água é justamente a agricultura intensiva.
Note-se que falamos aqui de “escassez” de água e não de “seca”. A seca é um fenómeno climático, que corresponde a um deficit pluviométrico em determinado tempo e espaço. Com o tempo, a seca pode conduzir a situações de escassez. Mas a seca é apenas um factor entre muitos outros, que explicam o aumento deste risco de escassez.
A “escassez de água” corresponde a um esgotamento das reservas, isto é, o enfraquecimento dos lençóis freáticos. Em França, o nível dos lençóis freáticos baixou de maneira notável em 1976, que foi um ano de grande seca. Esta tendência prosseguiu depois, mais ou menos rapidamente conforme os anos. No entanto, a pluviometria não baixou em França no decurso dos últimos 30 anos. A forma que assumem as precipitações é que mudou: elas são mais raras, mas cada vez mais intensas. À escala global, esta tendência está provavelmente ligada às irregularidades climáticas. À escala local, ela é igualmente uma consequência das modificações do coberto vegetal sobre o território, como por exemplo a transformação da floresta de folhosas em floresta de resinosas. A interacção entre a actividade de evapo-transpiração das plantas e a pluviometria é hoje um fenómeno reconhecido.
Neste contexto, o ordenamento do território realizado desde o pós-guerra acelerou a fuga das águas pluviais. A betonagem, o alcatroamento, a canalização das fossas ou a rurbanização (urbanização do mundo rural), aceleraram consideravelmente o ciclo da água. Em muitas regiões, qualquer acontecimento climatérico excepcional, como uma tempestade, pode hoje provocar cheias catastróficas em regatos e ribeiras. Vivemos ao mesmo tempo sob a ameaça de escassez de água e de inundações repentinas.
Mas a mudança mais importante no ciclo hidrológico é aquela que é imposta pelos nossos métodos de cultura.
Os lençóis freáticos são alimentados pela infiltração das águas da chuva no solo. À escala do país, são os trinta milhões de hectares de terras aráveis que viram a sua estrutura modificada. Reter a água é o único meio de lhe permitir infiltrar-se no solo e alimentar os lençóis. Sem retenção, as águas escorrem para as ribeiras, os rios, o mar.
As grandes monoculturas mecanizadas fizeram desaparecer os obstáculos à escorrência das águas: muros, sebes, fossos, zonas húmidas, etc. Além disso, para evitar os riscos de apodrecimento e doença em caso de chuvas fortes, os campos foram drenados. Ora este ordenamento acelerou consideravelmente os processos de escorrência. À imagem da nossa sociedade, a água corre sempre, e cada vez mais depressa. Ela não tem espaço para fazer pausas, para afrouxar, para chegar ao fundo das coisas.
Seja ausente, seja demasiado abundante à superfície, a água que chega aos lençóis freáticos é cada vez mais escassa. E é igualmente cada vez mais poluída. 70% das reservas de água subterrânea de França estão poluídas.
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