sábado, 2 de janeiro de 2010

Hora do folhetim - 15

(...)
4
Monotonamente sucederam-se noites de voo sem fim e dias inteiros a comer, nas águas paradas de pântanos. Atrás dos viajantes, a luz esverdeada do norte era cada vez mais fraca, e os seus peitorais ficavam cada vez mais fortes. Incansavelmente voavam todas as noites até à alvorada. Nos pântanos salgados da baía de James havia alimento abundante. E ficaram aqui muitos dias, empanturrando-se com os minúsculos animais do lodo, até finalmente o sul os chamar de novo. O maçaricão conduziu-os directamente para leste. Dirigiram-se para o Lavrador, por sobre as elevações erodidas do Quebec, na direcção dos recifes de gneisse do golfo de São Lourenço.
A manhã seguinte apareceu fria e nebulosa, e no ar havia um penetrante cheiro a sal. As aves notaram-no e o maçaricão guiou-as em frente, até que surgiu a aurora de um dia cinzento e sem sol. O ar aqueceu um pouco, os bancos de nevoeiro dissiparam-se, e atrás dos farrapos de nuvens viam-se, aqui e ali, manchas acastanhadas. Era o planalto costeiro, rochoso e escalvado. O cheiro a sal tornou-se mais forte e o maçaricão sabia que se aproximavam do mar. A névoa tornou-se de novo mais espessa. Mas ele manteve o rumo, embora à sua volta tudo fosse impenetravelmente branco. De repente chegaram-lhe aos ouvidos o estrondo da rebentação e os gritos das gaivotas. O maçaricão começou a descer em voo planado. Com glissagens ocasionais, controlou a velocidade de descida. As tarambolas rompiam a formação e seguiam-no. Nivelaram o voo alguns metros acima da água, tomaram a direcção das ondas e voaram sobre as cristas, até que as escarpas surgiram da neblina. Na sua frente erguia-se uma imensa parede rochosa. O maçaricão voara às cegas durante várias horas, mas falhara a costa apenas por um quilómetro.
As aves ganharam altitude, deslizaram sobre as falésias e poisaram. Lá estavam por todo o lado os ramos dos arandos, não muito diferentes das urzes. Em certos locais, os frutos purpúreos e carnudos eram tão grandes que ocultavam a folhagem, e as aves começaram imediatamente a comer. Um vento frio chegava do mar e alguns chuviscos caíram sobre elas. Após uma hora pararam de comer e encostaram-se umas às outras. Voltaram as cabeças contra o vento, para que a chuva deslizasse sobre as penas e escorresse pela cauda.
(...)

Sem comentários:

Enviar um comentário