quarta-feira, 21 de abril de 2010

Hora do folhetim - 23

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Enormes tapetes de algas castanhas passavam por baixo deles. Quando perdiam altitude, viam os peixes voadores com as suas barbatanas peitorais semelhantes a asas, lançando-se sobre os rolos húmidos de algas marinhas. Entre elas viviam caranguejos, camarões e caracóis. Em anos passados, por esta altura, já o maçaricão tinha avistado os picos baixos do Sear’s Hill, nas Bermudas. Mas desta vez tinham sido afastados muito mais para leste pela tempestade nocturna. O sol caía no mar sem fim. Quando escureceu, a água cintilava com o brilho claro e frio de milhões de seres fosforescentes.
O maçaricão conduziu o bando em frente, e durante toda a noite voaram a uma altitude de cerca de mil metros. De tempos a tempos, as aves comunicavam entre si através de pequenos gritos. Quando o maçaricão seguia no comando, tinha que aplicar todos os sentidos para estar atento aos caprichos do vento e aos impulsos cósmicos. O seu cérebro traduzia estes impulsos num sentido de orientação. E, quando cedia o comando a uma tarambola, podia voar num estado de semi-sonolência. As asas batiam automaticamente, os olhos mantinham-se meio fechados, e ele seguia o turbilhão da ave precedente quase inconscientemente.
Nessa noite, a estrela polar e as constelações do Árctico já quase se perdiam no horizonte. Para os lados do sul apareciam estrelas novas. Pouco antes do romper do dia, o vento tornou-se mais fresco. Soprava de nordeste, forte, constante e monótono. Tinham atingido a zona dos alísios. Era um vento de bombordo, que lhes acelerava a velocidade nuns bons quinze quilómetros por hora.
Apesar do vento, o dia estava quente. Ocasionalmente deslizava à superfície da água a sombra azul escura dum tubarão. O bando estava perto dos trópicos, o mar ia-se tornando cada vez mais azulado, e na atmosfera quente formavam-se maciças nuvens cumuliformes, cujas sombras salpicavam a água com pinceladas de azul. Por vezes, grossos montões de nuvens empilhavam-se, imóveis, no horizonte, a oeste. Eram marcas de itinerário. Por baixo delas havia ilhas, cada uma com o seu capacete de nuvens, que podiam observar-se muito antes de as ilhas aparecerem à vista. O bando tinha agora diante de si o mar das Caraíbas e as Pequenas Antilhas. E lá em frente, por detrás do horizonte, à distância de doze horas de voo, encontravam-se as selvas e os montes da América do Sul.
Após trinta e seis horas sobre o mar, os músculos e os nervos começaram finalmente a acusar cansaço. O voo deixou de ser um acto reflexo inconsciente e infatigável. Agora exigia esforço de vontade, e só a concentração determinada na tarefa fazia ainda bater as asas debilitadas. Duas noites e um dia sem alimento tinham afrouxado os processos no corpo das aves, que arfavam no ar quente dos trópicos. Mantinham os bicos abertos, pois tinham que respirar velozmente, para cobrir as necessidades de oxigénio dos pulmões. Três tarambolas novas, que faziam pela primeira vez a longa viagem sobre o oceano, atrasavam-se lentamente. O maçaricão reduziu a velocidade, até ao ponto de as aves mais fracas se poderem aguentar.
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