quinta-feira, 17 de junho de 2010

Hora do folhetim - 28

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Assim foram avançando para sul. Quando o sol quente de Dezembro secou os cardos, e a erva das Pampas ficou da cor da prata devido à quantidade de flores que baloiçavam, ligeiras, ao vento, eles encontravam-se já nas planuras ondulantes da Patagónia, a uma noite de voo dos mares da Antárctida. Com uma força hercúlea, o instinto migratório tinha-os empurrado desde o longínquo norte até ao lugar mais a sul do continente americano. E também aqui havia grandes bandos de narcejas. De todos os animais da terra, só a andorinha-do-mar-árctica, voando distâncias semelhantes, pode contemplar tanta luz e tanto sol como as narcejas. Ano após ano, elas correm acima e abaixo, entre as terras do sol da meia-noite, quase de polo a polo.
Durante cinco meses um impulso insaciável tinha espicaçado o maçaricão e as tarambolas. Temporariamente enfraquecera, sem nunca ter desaparecido. Mas agora morria. Uma estranha letargia apoderava-se das tarambolas. Bastava-lhes alternar entre duas lagoas salgadas. Comiam, devaneavam, flanavam sem gosto por ali, como actores que se haviam esquecido do texto e esperavam por uma deixa, por um impulso instintivo que lhes dissesse o que deviam fazer.
O próprio maçaricão estava livre da pressão do impulso migratório. E no entanto atormentava-o um desassossego, uma antiga e indizível fome, uma velha solidão. Ocorreu-lhe de súbito que estava sozinho, num mundo onde não tinha companheiros de espécie. Tentou levar as tarambolas a continuar a migração, mas elas não o seguiram. Finalmente não pôde mais controlar a inquietude. Elevou-se no ar e alargou os seus círculos sobre a lagoa onde as tarambolas esgaravatavam alimento. Chamou-as repetidamente em altos gritos, mas elas não responderam. Então o maçaricão tomou a direcção do leste, lá onde estava o mar, bem o sabia, à distância de muitas horas de voo. Estava de novo em viagem, e sozinho.
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