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Na Patagónia já não havia solo fértil, como nas Pampas. O terreno era composto sobretudo de saibro e cascalho, misturado com rochas vulcânicas de pontas aguçadas. A vegetação era diminuta, e o sol mordente do verão tinha tingido de castanho as escassas manchas de capim e de cardos. As tarambolas abandonaram esta região inóspita e voaram para leste, à procura dos charcos da costa, frescos e cheios de alimento.
Aqui verifica-se um dos maiores desníveis de maré do mundo, e por isso, na maré baixa, quilómetros de solo ficam a descoberto. Duas vezes por dia o mar arroja para terra todo o tipo de despojos. Alimento nunca falta, e enormes bandos procuram estes baixios. A maior parte são tarambolas-douradas, mas também há pernas-amarelas, com os seus torsos luminosamente claros. As galinholas e os pequenos pilritos evitam, pressurosos, a rebentação, como se tivessem medo de molhar os pés.
O maçaricão vagueava de bando em bando, procurava incansavelmente, sem saber exactamente o quê. Com o seu longo bico encurvado e a grande envergadura de asas, sobressaía claramente entre os milhares de pequenas narcejas.
Janeiro chegara, e a longínqua tundra canadiana, a catorze mil e quinhentos quilómetros de distância, seria ainda durante alguns meses a adormecida terra fria das tempestades de neve e das noites sem fim. Mas o maçaricão sentia já o chamamento do Árctico, uma suave emoção interior, um sinal. As suas gónadas em breve começariam a produzir hormonas, um novo ciclo anual aproximava-se. A princípio era quase imperceptível, mas o processo foi-se tornando lentamente mais forte. Era um sentimento que se distinguia do impulso migratório do outono. Partir para o sul tinha sido uma vaga impaciência, sem fim definido. Mas agora só o objectivo contava. A migração era um fenómeno acidental e acessório. O que ele sentia era essencialmente a ânsia, a saudade de casa. Conhecia perfeitamente o destino, não só o Árctico e a tundra, mas o amontoado de cascalho, à beira da curva do rio. Aí havia de chegar também a fêmea, aí havia de ser o ninho.
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