sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Bungaló de palha

A horta ainda vai mexendo.
É só um pequeno remate, e já pode vir o mestre Inverno!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Obsolescência programada

Se ainda não sabes o que é, vai ver ali!

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Na horta do Salgueiral

Estrutura preparada para receber um "bungaló de palha".


Perspectiva de piquenique e sesta.



Novas "camas elevadas" para expansão da área trabalhada.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

2º Congresso

No sábado à noite, alheios às eminências que rondavam e já de barriguinha cheia, O Zé, o Tiago, a Ingrid (de costas), o Filipe, a Sara e o Duarte, esquecidos já das inovadoras camas elevadas no Salgueiral, das curvas exponenciais, e da metafísica dos lobos que não conseguem atravessar o Douro, aguardam bem dispostos o espectáculo musical.
É um prazer grande trabalhar com esta gente. E o espectáculo, que já tardava, lá acabou por chegar.



domingo, 31 de julho de 2011

Caminhada de Julho

Eram portugueses e espanhóis. Mas a linguagem engana, pois eram muito mais elas do que eles.
Vieram pela mão da Caritas e ajudaram a pintar a Escola Viva. Caminharam pela charneca de S. Pedro.
E aprenderam o preço verdadeiro dum bom copo de vinho, antes dele aparecer assim à nossa mesa, engarrafado na Austrália.

sábado, 25 de junho de 2011

Mercadinho

O mercado semanal da Rio Vivo, aos sábados de manhã, é um sucesso. Ali no enxido, à sombra das faias verdes, ensaia-se uma nova maneira de viver.
Regateiam-se alfaces da horta, velharias esquecidas, cebolas, ovos, cerejas, cestinhos de verga, pinhas bravas, frascos de mel, pulseiras de conchas africanas, paus pretos macondes, doces de ginja, vasos de gerânios, eaux de cologne espanholas, caixinhas de jóias de madrepérola, velas coloridas, infusões de sabugueiro, missangas de plático, caixas de framboesas...
O que é que é preciso mais?!

Encore

O S. João em S. Pedro

Com as sardinhas da Caetana!

terça-feira, 21 de junho de 2011

2º CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO RIO VIVO

TEMA: Os Caminhos do Futuro
Data: 6 e 7 de Agosto 2011
Local: Pavilhão multiusos de S. Pedro do Rio Seco

PROGRAMA

Sábado, 6 de Agosto
09H30 - Recepção dos congressistas
10H00 - Abertura - António André
10H30 - A Horta Vivo em Noz/Prémio Riba-Côa 2011 - José Lambuça
11H00 - A Horta Vivo em Noz/Prémio Riba-Côa 2011 - Tiago Barbosa
11H30 - Pausa/café
11H45 - Escola Viva/Actividades e Projectos - Caetana Serôdio
12H15 - O mexilhão de água doce na Ribeira de Tourões - Amândio Caldeira
12H30 - Apresentação do trabalho sobre os lobos - Duarte Pereira e Sara Pinto
12H45 - Debate
Patente no Pavilhão a Exposição de Fotografia dedicada a Eduardo Lourenço
13H00 - Almoço Livre
14H00/16H30 - Animação de Rua. Grupo de gaiteiros transmontanos Anda Camino
17H00 - Homenagem a Eduardo Lourenço.
Descerramento do monumento evocativo. Intervenção do Comissário dr. António José Dias de Almeida.
Descerramento de placa evocativa na casa da infância do homenageado.
Estreia do filme "Regresso sem Fim" - um documentário com Eduardo Lourenço. (Co-produção RTP 2 - CEI)
Alocução do dr. Luís Queirós, Presidente da Associação Rio Vivo.
Alocução do dr. Guilherme de Oliveira Martins, Presidente da Comissão de Honra.
Alocução do homenageado, prof. Eduardo Lourenço.
19H00 - Lanche volante
21H00 - Espectáculo musical "PESSOALMENTE". Doze poemas de Fernando Pessoa, musicados e interpretados por Jorge Ribeiro, Julieta Silva e Pierrot Ribeiro.

Domingo, 7 de Agosto
08H00 - Caminhada "A folha de S. Pedro".
08H30 - Percurso BTT "Calejas de S. Pedro".
11H00 - Teatro de Rua da Escola Viva no largo da Sede.
13H00 - Almoço livre.
15H00 - Mercado de S. Pedro (junto ao pavilhão).
Jogos tradicionais:
- malha/cântaro/raiola/sueca - Sede da Associação Rio Vivo
- ferro/corda - Enxido.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Maio

Pelas encostas abrolham as videiras.
O verão já não demora, e há bocas sequiosas, e o néctar é urgente.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Ciclo do Linho

[Não se trata aqui de ensinar nada a ninguém. Sobretudo a quem sabe que, nestes saberes, há pequenas variantes locais, nas práticas e nas designações.
Trata-se apenas de sistematizar, e guardar para memória futura.]

Em Março, lançar a linhaça à terra, no velho gesto do semeador. Ranhar o solo, à sachola, duas vezes. As sementes não devem ficar fundas, porque as plantas serão arrancadas.
Arrancam-se quando as cantarinhas estiverem maduras. Ripam-se num ripanço, e recolhe-se a linhaça nova.
Enfeixa-se o linho em molhos, que são mergulhados na água, para curtir, durante 15 dias. A água pode ser parada, e quanto mais quente melhor.
Ao fim de 15 dias, leva-se uma amostra ao maçadoiro, para ver se o linho está curtido e dá bem a casca. Não dando, fica na água mais alguns dias.
Depois estende-se ao sol, para enxugar os caules. Após o que se maça, no maçadoiro.
Em seguida tasca-se no cortiço, com a espadela, para o libertar do casco. Fica a estriga de linho junto com a estopa. Os marelos são um sub-produto a rejeitar.
Depois é necessário assedá-lo, passá-lo no sedeiro, para separar o linho (mais nobre) e a estopa (mais grosseira). Daí resultam as estrigas.
Segue-se a fiação, com roca e fuso, de que resultam as maçarocas.
No sarilho fazem-se as meadas, a partir das maçarocas. Desmontando o sarilho, retiram-se as meadas, atadas pelo umbigo.
As meadas são cozidas com cinza, para branquear.
Lavadas no tanque, faz-se com as meadas uma barrela. Com cinza, sabão e água quente, para novo branqueamento.
No orgadilho (dobadoira), fazem-se os novelos.
E com eles urde-se a teia, na urdideira. Cada fio no seu dente.
Instalar a teia no tear.
Encher as canelas no caneleiro. As canelas são sucessivamente alojadas na lançadeira, espécie de naveta que transporta o fio, para um lado e outro, na teia. A perdizela é um pequeno eixo, dentro da lançadeira, que segura a canela.
Depois é só tecer, recolher as varas, e preparar o bragal.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Hora do folhetim - 51


(...)

Na tundra, os charcos de água derretida, os montes de cascalho e os pequenos prados na curva do rio não tinham mudado. O longo voo tinha esgotado o maçaricão. Mas, quando uma tarambola-dourada se aproximou demasiado da sua reserva, avançou para ela e atacou. O verão polar era curto, e ele tinha que manter a reserva pronta para a fêmea. O instinto dizia-lhe que ela em breve iria chegar.



O CORREDOR DA MORTE



L. L. Snyder

As aves do Árctico Canadiano

Imprensa da Universidade de Toronto em colaboração com o Museu Real de Zoologia e Paleontologia do Ontário 1955


Maçaricão-esquimó, Numenius borealis.
Presumivelmente extinto...
Visto pela última vez perto de Galveston (Texas), a 29 de Abril de 1945.
Antigamente muito disseminado...

Planeta-Mãe - 42

Mudança de olhar sobre a vida do campo
Desde que os homens começaram a cultivar a terra, raramente os que a trabalhavam eram os seus possuidores. Em nome desta posse, adquirida pela força ou por herança, os servos deviam alimentar os senhores, a sua corte, o clero, os notáveis, os militares, etc. Nos anos de más colheitas, as classes sociais superiores eram as primeiras a servir-se, muitas vezes à força e graças à submissão dos mais fracos. Os que trabalhavam a terra não recebiam muitas vezes mais que migalhas de colheitas que não eram consideradas suas.
Depender dos imprevistos climatéricos e dos caprichos da natureza não é certamente confortável. (…) Mas cultivar a terra num estado de espírito sereno também não é possível, quando as pressões financeiras e políticas são pesadas. Quando as exigências de produtividade e rendimento se tornam obrigações inalienáveis, os imprevistos da natureza tornam-se inaceitáveis. Mesmo tendo mudado na forma, a pressão que pesa sobre os ombros dos camponeses continua, no fundo, a mesma.
No nosso mundo capitalista, a pressão do rei dinheiro substituiu a opressão das leis marciais. Servos aviltados, desunhando-se nos campos para finalmente se contentarem com a sobrevivência, são uma realidade contemporânea. No Ocidente, os agricultores são mantidos pelos fornecedores, as poderosas multinacionais da agroquímica, que lhes fornecem sementes, adubos e pesticidas. E estão também sob a pressão doutras multinacionais, que são os principais clientes: a indústria agro-alimentar e a grande distribuição.
Grandes consumidores de combustível, os agricultores dependem igualmente das flutuações dos preços do petróleo. No momento da sementeira, não sabem a que preço venderão as suas colheitas. Mas sabem com toda a certeza que terão que fazer face aos prazos de vencimento dos créditos bancários. (…)
Vista desta forma, a Idade Média continua actual, apenas a forma e as aparências mudaram. Os “senhores” já não habitam hoje em castelos de pedra instalados no local; antes em torres de vidro e aço, nas grandes cidades, onde se encontram os detentores do capital. (…)

Riba-Côa - Abetarda


Planeta-Mãe - 41

Promessas e boas intenções
Estas constatações podem parecer alarmistas, às pessoas que se consideram informadas ouvindo as televisões. A cada catástrofe mediatizada, as emoções suscitadas na população tornam-se um terreno de marketing propício para os políticos. Podem vender uma boa imagem de si próprios, fazendo anúncios que comoverão os cidadãos chocados ou revoltados. As promessas apenas implicam os que nelas crêem. E os crentes raramente verificam, nos anos seguintes, que as boas intenções se transformaram em actos concretos. Um ano depois dos “motins da fome”, menos de 10% das promessas foram cumpridas. (…)
Em 2005, depois dos motins nos arrabaldes franceses, a estigmatização destas populações de excluídos transformou-se em compaixão. Surpreendidos pela amplitude dos acontecimentos, os media e certos espectadores procuraram conhecer as causas profundas duma tal explosão de cólera. As reportagens sobre as condições de vida nas cidades, os testemunhos sobre o sentimento de exclusão e marginalização, a ausência dum futuro credível para esta juventude condenada ao desemprego, acabaram por tocar os tele-espectadores.
O ministro do interior da época anunciou perante as câmaras um “plano Marshall para os arrabaldes”. Quem verificou o que aconteceu depois? Quando o orçamento da habitação foi o primeiro a sofrer cortes importantes em 2008, enquanto o da Defesa se mantinha e o do Eliseu galopava?
Toda esta ingenuidade crédula, esta necessidade de argumentos de boa consciência contrariados pelos acontecimentos… fazem certamente parte integrante das causas que explicam a nossa incapacidade de pôr em prática verdadeiras mudanças. (…) As nossas pequenas cabeças são formatadas para sonhar com a “Glória, Riqueza e Beleza”, e não para um regresso à terra, para uma felicidade na simplicidade, e um modo de vida em harmonia com a natureza.

Riba-Côa - Raposa


Hora do folhetim - 50

(...)
Maio ia a meio. A ondulante planície canadiana, lavrada de fresco, fumegava ao sol. Os maçaricões seguiam de perto a máquina enorme, que ribombava como a rebentação do mar. As minhocas eram gordas, e, antes de eles as engolirem, ficavam alguns segundos ao sol, revolvendo-se em contracções convulsas. Na tundra começava a derreter a neve. Nos ovários da fêmea, o primeiro de quatro ovos estava pronto a ser fecundado.
O macho elevou-se no ar, o seu canto forte soou impetuoso. Pairava lá no alto, sobre o terreno escuro da planície, onde uma faixa acabava de ser lavrada. O bramido da máquina parou de súbito, e o maçaricão mal se deu conta disso. Tinha todos os sentidos concentrados na fêmea, que lá em baixo tremia de excitação, acocorada no solo escuro.
O homem estava sentado em cima do tractor, imóvel, a cabeça deitada para trás. Olhava para cima, e com a mão protegia os olhos do intenso brilho do sol. O maçaricão deixou-se cair, a fêmea soltou um grito estridente. Ele apanhou do chão uma minhoca e avançou para ela. De pescoço estendido, batia fortemente as asas, ao mesmo tempo que viu o homem saltar do tractor e correr para a estaca duma sebe, onde tinha pendurado o casaco.
Em circunstâncias normais, mesmo os próprios maçaricões teriam então fugido assustados. Porém, tendo-se deixado alimentar, a fêmea continuava ainda a bater as asas, numa agitação apaixonada. Ela rendia-se à cópula, e, no êxtase do acasalamento, ambos ficaram cegos perante o que se passava em redor.
Um estampido ecoou no céu claro e luminoso, e o seu trovejar parecia vir de todos os lados. A terra espirrou em volta das aves, crepitante como pedras de granizo. O macho fugiu, mantendo-se rente ao solo. Assim podia fugir mais depressa, pois em subida seria menor a velocidade. Até que se deu conta de que a fêmea não estava junto dele. Voltou atrás, com gritos roucos e penetrantes de aflição. O corpo castanho dela estava ainda inclinado no solo. O macho pairava sobre ela e gritava como louco.
Então um segundo trovão ribombou sobre eles. Uma pancada violenta e invisível atingiu-o e arrancou-lhe duas rémiges de uma das asas. Rodopiou no ar e abateu-se ao lado da fêmea, completamente surdo. Estava espantado, confuso, perante um inimigo que atacava sem que ele pudesse vê-lo.
Novamente levantou voo. Depois venceu o medo e voltou para junto da fêmea. Ela estava de pé e gritava, rouca de medo. Batia as asas em vão, até que, lentamente, conseguiu levantar voo. Penosamente ganhou velocidade e altitude. O macho aproximou-se, voando rente a ela. Ele gritava alto, mas ela emudecera.
Voaram durante alguns minutos, até deixarem para trás o campo com o terrível trovão no céu quente. Mas a fêmea era lenta, cada vez se atrasava mais. O macho veio até ela, incitou-a a voar, e colocou-se de novo à frente. O voo dela era cada vez mais lento e desajeitado. Deixou de controlar uma asa e isso desequilibrou-a. A plumagem macia do peito tornou-se-lhe escura e húmida. Ela chamou de novo por ele, e não eram gritos de medo, mas gorgeios doces de ternura. De súbito ela despenhou-se no solo. As asas batiam ainda, parecia o vibrar excitado do acasalamento, e o seu corpo rodopiou, até se imobilizar no chão húmido.
O macho gritou, ela devia segui-lo. Ele ainda tinha medo do chão firme. Mas a fêmea não se mexia e ele manteve-se a circular. Ela devia ter ouvido a sua censura, mas não respondeu. Longo tempo depois venceu o medo e poisou a seu lado. Protector, limpou-lhe as penas com o bico.
A noite chegou e a tundra atraía-o, chamava-o, pois era tempo de fazer o ninho. Levantou voo várias vezes, chamou-a, voltou atrás, e ela não o seguiu. Finalmente adormeceu encostado a ela.
De manhã elevou-se no céu acinzentado. Dilatou os pulmões e fez ecoar o seu canto nupcial. Cortejou-a. Quis dar-lhe comida, ela não a aceitou. E a tundra chamava imperiosamente. Ele levantou de novo, chamou-a mais uma vez. Depois ganhou altitude e afastou-se. O sol nascente brilhava rosado na sua plumagem e ele dirigiu-se para o norte. Silencioso e sozinho. (...)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Riba-Côa - Geneta


Planeta-Mãe - 40

(...)
Entretanto as populações dos países “ricos” continuam a fabricar toneladas de produtos de que os seus pais não tinham necessidade alguma: gadgets high-tech, automóveis “verdes”, armas de guerra, aviões de combate, mísseis, produtos financeiros, divertimentos… tantas coisas não vitais que os ocidentais continuam a produzir, sem terem que se preocupar com a sua sobrevivência alimentar. Pouco se preocupam mesmo com a origem dos seus alimentos, e com as condições em que eles foram produzidos. Têm outras preocupações, outras prioridades.
O nível de vida dos americanos não é negociável” declarou um dia G. W. Bush, numa conferência sobre o clima. A frase suscitou numerosas reacções. Mas não é seguro que os americanos sejam os únicos ocidentais que não desejam pôr em causa o seu modo de vida. Para não perder o que obtiveram, os ocidentais estão dispostos a tudo para não tirar a cabeça da areia: a realidade faz-lhes medo. Por exemplo, para continuarem a viver num mundo em que o automóvel faz parte do seu modo de vida e da sua identidade, estão dispostos a cultivar e a queimar milhões de toneladas de produtos agrícolas, enquanto milhões de seres humanos passam fome. Milhões de hectares de floresta tropical estão ameaçados no Brasil pela mesma razão, mas os reis do mundo dão lições de moral ecológica aos países em vias de desenvolvimento.
A conquista de terras cultiváveis no estrangeiro é um fenómeno mundial em expansão. Vai a par com a acentuação da miséria humana, nos países em que ela está instalada há muito tempo. Como dizia Coluche: “… apertem o cinto mais 5 anos; depois disso estarão habituados!” (…)
As nossas culturas intensivas deslocalizadas aceleram a erosão dos solos e a desertificação, esgotam e poluem os lençóis freáticos e os cursos de água. Fazem desaparecer milhares de espécies endémicas todos os anos. A sua extensão acelera a destruição de eco-sistemas naturais, tão preciosos como frágeis.
Todas estas práticas têm repercussões nas alterações climáticas e no aquecimento global do planeta. Milhões de hectares de monocultura intensiva de cana de açúcar, palma ou soja, não interagem com a atmosfera da mesma forma que os milhões de hectares de floresta primária que os precedeu.
Parece que assistimos a uma importante “tomada de consciência ecológica e humanista” desde há anos. Mas só se for nos discursos!
(...)

domingo, 13 de março de 2011

Riba-Côa - Lontra


Hora do folhetim - 49

(...)
Ele arfava de excitação, cantava alto, respirava profundamente fazendo inchar o pescoço e o peito, tufava a plumagem e estendia as asas, gracioso, sobre o dorso, até a fêmea o convidar a aproximar-se. Ela saltitava, de asas frementes, e fazia ecoar o penetrante apelo com que pedem alimento os pintaínhos que mal começam a voar. Ele avançava para ela, cerimonioso, de novo batendo fortemente as asas, quase parecia que andava pelo ar. Peito inchado contra peito inchado, o macho estendia o pescoço e alisava-lhe ternamente as penas castanhas, com o longo bico.
Isso durava alguns segundos, depois o macho afastava-se. Procurava uma minhoca, regressava junto da fêmea e colocava-lha suavemente no bico. Ela engolia-a. E as penas do pescoço ficavam de novo lisas, as asas paravam de tremer, tudo tinha passado. Até agora, este gesto de ser alimentado constituía o ponto alto do seu amor. Os corpos não estavam ainda prontos para o acasalamento.
Depois de cada uma destas manifestações amorosas, a tensão diminuía por algumas horas. Tratava-se de um expediente, mas eles ficavam satisfeitos. A união dos corpos só viria depois.
E avançavam continuamente para norte, vencendo algumas centenas de quilómetros por noite. O desenvolvimento sexual do macho decorria mais acelerado, ele estava já pronto para o acasalamento. O seu desejo tornara-se indomável, e passava quase todo o dia cortejando ardentemente a fêmea. Porém, de cada vez que lhe trazia alimento, a excitação dela diminuía, e tudo ficava por ali.
(...)

sexta-feira, 4 de março de 2011

Riba-Côa - Toirão


Planeta-Mãe - 39

(...)
Conquista de terras estrangeiras

Desde há alguns anos, a estratégia de conquista de terras cultiváveis nos países pobres tem conhecido um desenvolvimento vertiginoso. Numerosos países “ricos”, mas incapazes de prover as suas necessidades alimentares, fazem mão baixa das terras agrícolas dos países mais desprovidos, à custa de dólares.
Esta estratégia neo-colonialista não é nova. Começou a desenvolver-se no tempo colonial com as culturas do algodão, do açúcar, do café, do cacau. Se mudou a forma política e comercial, com a emancipação das colónias, o fundo manteve-se igual e continuou a desenvolver-se. As crescentes necessidades de forragens para o gado acentuaram esta tendência há uma dezena de anos, sobretudo através do desenvolvimento das culturas deslocalizadas de soja e milho. Este imperialismo agrícola conheceu nova aceleração com a decisão dos países ocidentais desenvolverem os agrocombustíveis. Com o agravamento da crise alimentar mundial, no início de 2008, a pressão dos países ricos sobre as terras dos países pobres cresceu ainda mais. Para alguns estados, trata-se agora de eternizar os seus aprovisionamentos em recursos alimentares.
Se os dirigentes dos países pobres obtêm muitas vezes vantagens pessoais nestas operações, esse não é o caso das populações locais. Os exemplos de dirigentes africanos, donos de pequenos castelos nas margens do lago Léman, do lado suíço onde estão domiciliadas as suas contas bancárias, são bem representativos das consequências desta vertente neo-colonialista ocidental, em relação aos países em vias de desenvolvimento. Em boa parte, estas fortunas constroem-se graças ao dinheiro dos contribuintes ocidentais, entregue sob a forma de ajuda humanitária aos países mais desfavorecidos. É forçoso constatar que uma parte destas ajudas é muitas vezes desviada para o bolso de certos dirigentes de regimes mais ou menos ditatoriais, pouco escrupulosos e mafiosos. Nós vemos, sabemos, mas toleramos. Porquê?! Porque subornar estes dirigentes é muitas vezes uma condição prévia para a abertura destes países às nossas actividades agrícolas, comerciais ou industriais. Estes países não são apenas excelentes fornecedores de recursos naturais baratos, são também excelentes clientes: os regimes totalitários compram-nos armas, know-how tecnológico… e até alimentos cultivados nas nossas estufas aquecidas. É tudo benefício!
Um exemplo recente ilustra bem este fenómeno. Enquanto a maioria da sua população luta todos os dias contra a miséria e a fome, o presidente de Madagascar ofereceu a si próprio, em 2008, um jacto privado, por 40 milhões de dólares. Nesse mesmo ano, ele assinou importantes contratos de venda de milhões de hectares de terras cultiváveis aos países desenvolvidos, especialmente à Coreia. (…)
Em Madagascar, milhares de pequenos camponeses foram espoliados das suas terras. Alguns tornaram-se assalariados das multinacionais agro-alimentares, produzindo alimentos baratos destinados à exportação para os países desenvolvidos. Outros camponeses que não foram recrutados para esta nova tarefa partiram, a engrossar as filas de população dos bairros de lata. Estes excluídos vivem essencialmente da mendicidade. As crianças aprendem a alimentar-se nas lixeiras.
(...)

Hora do folhetim - 48

(...)
11
Nas pradarias do Nebraska e do Dakota chegara o tempo das sementeiras. Monstros de aço, barulhentos como a rebentação do mar, andavam por aqui e por ali, sobre a lavrada, e faziam longos sulcos regulares. A maior parte das narcejas evitava as ruidosas máquinas e os homens que as conduziam. Pilritos-das-praias e pernas-amarelas interrompiam a busca de alimento e ficavam alerta, quando o lavrador estava ainda a cem metros de distância. À aproximação da máquina levantavam voo, gritavam estridentemente e fugiam. E só voltavam a poisar quando ela estivesse lá longe, a quilómetro e meio de distância.
Mas os maçaricões-esquimós não manifestavam qualquer receio. Ao longo da história do seu desenvolvimento, a espécie aprendera que não tinha necessidade de reacções complexas de medo. Possuía asas fortes e voo rápido. Os maçaricos podiam simplesmente ignorar um perigo ameaçador, pois escapavam com facilidade a uma raposa ou a uma ave de rapina, no último momento. Por esse motivo desaparecera a reacção de medo, como acontece a cada capacidade e a cada instinto que ficam sem utilização. Os pilritos confiavam numa apertada vigilância, e os maçaricões na força das suas asas.
Por isso seguiam de perto as ribombantes máquinas. Ao lavrar, elas punham a descoberto o rico alimento que constituíam as minhocas brancas e as lagartas.
Ao longo deste tempo, as suas gónadas tinham aumentado a secreção, de acordo com o ritmo fisiológico anual. O seu desenvolvimento estava exactamente adaptado à velocidade de deslocamento da primavera para norte. Tanto os seus corpos como a tundra deviam estar simultaneamente preparados para a construção do ninho e a postura dos ovos. A primavera era cada vez mais perceptível, aproximava-se do seu ponto alto, e com isso também as emoções das aves eram cada vez mais impetuosas. Com as altas temperaturas do corpo e os rápidos processos metabólicos, elas vivem, aliás, mais depressa e mais intensamente do que todas as outras criaturas. E, do mesmo modo, quando a época de acasalamento se aproxima, fazem a corte e amam com ardor e paixão mais agitados.
Agora o macho extravasava muitas vezes por dia os seus sentimentos, mostrava o seu amor à fêmea. A sua corte era agora muito mais impetuosa do que antes. Atirava-se de súbito para o ar, agitava as asas e cantava a sua clara e vibrante canção nupcial. Esta era mais melodiosa e doce do que em qualquer outra época do ano. Alguns segundos após, batia violentamente as asas e subia quase na vertical, arrastando as longas pernas, até atingir umas centenas de metros sobre a pradaria. Aí batia as asas e cantava de novo, para que a fêmea ouvisse, enquanto ela gorjeava e saltitava, excitada. Depois deixava-se cair de encontro a ela, recuperava baixo, subia de novo, e poisava finalmente a alguns metros de distância.
(...)

terça-feira, 1 de março de 2011

Riba-Côa - Doninha

Planeta-Mãe - 38

(...)
As «bio» tecnologias
O prefixo bio, à frente das tecnologias, é um belo símbolo de modernidade e de progresso, não é verdade?! Os agricultores poderiam em breve ter o direito de as cultivar em França, como é já o caso de numerosos países. Entretanto importamo-las às toneladas todos os anos, especialmente sob a forma de soja, destinada ao gado. Mas o que é de facto um OGM? Afinal as plantas geneticamente modificadas são prejudiciais à saúde?
Os OGM são Organismos Geneticamente Modificados. Se hoje nada permite provar cientificamente o seu perigo para a saúde humana, nada prova também que sejam inócuos a curto, médio ou longo prazo. No estado actual dos nossos conhecimentos, teríamos mesmo razões para pensar que estas manipulações genéticas serão um dia prejudiciais ao ambiente e à nossa saúde.
Como muito bem explica Gilles Eric Séralini no seu livro “Geneticamente Incorrecto”, quanto mais avançam as pesquisas sobre o genoma, mais se descobrem fenómenos que nós não compreendemos. Daí até os dominarmos é ainda uma outra história. Um gene pode ter várias funções diferentes, segundo a parte do corpo em que se encontra, e o seu lugar na molécula do ADN. Um gene pode igualmente sofrer mutação ou mudar de função, sem que saibamos porquê e como.
O prião das vacas loucas é um exemplo deste tipo de mutação inexplicada: um gene da mielina, uma proteína constituinte do tecido nervoso, sofreu mutação provocando a degenerescência desse tecido nos animais atingidos. Por que razão o gene mutou em certos animais e não noutros? Não sabemos. Porque é que um gene é estável durante 5, 10, 15 anos… e depois pode sofrer mutação brusca, deslocar-se, mudar de função? Não sabemos. (…)
Os cancros são cada vez mais suspeitos de ter como origem uma mutação, ou mudança de função dum gene. Esta mudança explicaria o funcionamento “degenerescente” da célula cancerosa, que conduz à formação de tumores. Esta teoria parece tanto mais provável quanto ela explicaria o aumento dos cancros nos países desenvolvidos. Mas sobre isto fica uma pergunta sem resposta. As células reproduzem-se por divisão: uma célula-mãe cresce e divide-se, para dar origem a duas células-filhas idênticas à mãe. Como aparece a primeira célula cancerosa? Não sabemos. O que é que permite a uma célula sã dar origem a duas células-filhas cancerígenas? Não sabemos. É por esta razão que, dum ponto de vista estritamente científico, a origem dos cancros não é reconhecida. Esta ignorância tornou-se um argumento de defesa para os lóbis da química: o laço de causa/efeito entre a presença de produtos químicos no nosso corpo, e o desenvolvimento de doenças degenerativas não está estabelecido cientificamente. Não tendo o argumento do bom-senso mais peso científico do que jurídico, a indústria agroquímica continua a recolher biliões de benefícios… da dúvida. É esta mesma lógica que os industriais procuram impor com os OGM.
(…)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Texugo


Hora do folhetim - 48

(...)
O CORREDOR DA MORTE

A torda-mergulheira
Publicação quadrienal sobre Ornitologia
Editada pela Liga de Ornitólogos Americanos
Lancaster (Pensilvânia)

Comunicações gerais. Híbridos naturais entre Dendroica coronata e D. Auduboni... Colibri-de-bico-grosso (Eugenes fulgens) no Colorado... Maçaricão-esquimó no Texas.
Em Março, perto de Galveston (Texas), foram avistados pelo autor e por vários outros observadores dois maçaricões-esquimós, os quais, segundo todos os indícios, estavam acasalados. Encontravam-se no meio de um grande bando de várias espécies de narcejas, entre pilritos-dos-prados e das-praias, abibes, galinholas, bem como garças e centenas de maçaricões-norte-americanos. Todas as aves procuravam alimento num terreno paralelo à costa, composto de zonas arenosas, charcos e extensões de relva. A proximidade directa entre maçaricões-esquimós e norte-americanos ofereceu uma bela oportunidade para comparações.
Eram evidentes o menor tamanho do corpo e o bico mais curto dos maçaricões-esquimós. À luz clara do sol da tarde, quando as aves se moviam, podiam reconhecer-se claramente o grande recorte escuro das asas e a falta da risca ao meio da cabeça. Durante uma hora revimos todos os sinais ornitológicos. Isso aconteceu com ajuda de binóculos, a partir duma viatura estacionada a menos de cem metros de distância... Como acontece muitas vezes junto da costa texana do golfo, durante a época de migração da primavera, uma trovoada na noite anterior, com forte precipitação e ventanias de sul, obrigou as aves a poisar aqui temporariamente. -
Sargento Joseph M. Heiser Junior...


A MIGRAÇÃO DA PRIMAVERA (RESUMO)

A observação de um casal de maçaricões-esquimós na ilha de Galveston (Texas) foi sem dúvida o resultado mais notável. Este é o primeiro registo aceitável desta espécie, desde há vários anos. Ao longo dos últimos vinte anos, apenas aves isoladas foram ocasionalmente avistadas. Tem grande significado o facto de se tratar aqui, provavelmente, de aves acasaladas. Enquanto existir um casal, mantém-se a esperança de que talvez a espécie se não extinga...

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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Fuinha/Papalva


Planeta-Mãe - 37

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As Soluções Encaradas
Nos últimos anos, certos militantes ecologistas adoptaram uma atitude que permite alargar a tomada de consciência dos perigos ecológicos existentes. Esta aproximação consistiu em tornar a mensagem ecológica aceitável aos ouvidos da nossa sociedade, tendo em conta os modos de vida e o estado de espírito contemporâneos. Relativamente à tomada de consciência dos sintomas e do que está em causa, esta atitude foi um grande sucesso. Já quanto às soluções a pôr em prática, o resultado é mais fraco.
Se a realidade dos problemas foi reconhecida por um grande número, as suas causas profundas foram largamente ignoradas. É que elas decorrem dos nossos modos de vida e dos fundamentos da nossa sociedade de consumo. Por não sermos capazes de pôr em causa o nosso modo de ser, tentamos minimizar as consequências dos nossos actos. No entanto, não salvaremos o planeta assinando o pacto da mão verde, ou colando uma pastilha verde nas nossas viaturas. Não basta fazer a sua triagem, para resolver o problema das quantidades crescentes de lixos. Não basta instalar algumas centenas de turbinas eólicas para sair do nuclear, etc.
Do mesmo modo, as soluções habitualmente encaradas para remediar a crise alimentar mundial decorrem duma aproximação deste tipo. Ela tem em conta o funcionamento actual da nossa sociedade e as técnicas agrícolas dominantes. E também os poderosos lóbis industriais e os interesses económicos instalados. As soluções encaradas não põem em causa o modelo dominante, quando as causas fundamentais dos nossos problemas se encontram justamente na nossa visão produtivista, industrial e “mineral” da agricultura.
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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Gato bravo


Hora do folhetim - 47

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No princípio de Abril, a velha inquietação de novo se apoderou deles. Faziam pequenas deslocações nocturnas, e lentamente iam acompanhando a primavera. Voavam de vez em quando várias horas, antes da pausa da alvorada, por vezes ficavam vários dias no mesmo local. Esperavam até que a primavera avançasse, depois voavam um par de noites até a alcançarem, ultrapassavam-na e esperavam de novo por ela. O sinal de partida era-lhes dado pelas flores dos salgueiros, nas margens dos riachos. Quando estas abriam e inundavam de pólen as suaves brisas da noite, os maçaricões lançavam-se para o ar. Voavam até chegarem a um local onde os rebentos dos salgueiros ainda estivessem fechados, e onde a ervagem da pradaria fosse ainda de cor castanha. Enquanto esperavam, comiam abundantemente, ovos de gafanhotos que os seus bicos sensíveis detectavam no solo húmido. E, quando os rebentos dos salgueiros brotavam em flor, continuavam a avançar para norte.
Em cada semana era maior a urgência, pois a primavera alastrava cada vez mais depressa, pelas vastidões do norte.
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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Sacarrabos


Planeta-Mãe - 36

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É preciso lembrar que um estado não produz riqueza, apenas a taxa. Todo o dinheiro gasto por um estado foi retirado de algum lugar. Se não for sob a forma de impostos e taxas, directas ou indirectas, sobre as empresas ou os particulares, é sob a forma de crédito. Os orçamentos deficitários e as dívidas dos estados são despesas feitas antecipadamente, na esperança de dias melhores, quer dizer impostos melhores. Os déficits e as dívidas públicas são “impostos a haver” que nós deixamos aos nossos filhos, para assegurar o financiamento do nosso modelo económico e social actual. Para quem se sinta aborrecido por esta verdade abrupta, sugiro substituir a palavra “impostos” por “receitas fiscais”. É o termo utilizado nos discursos politicamente correctos, quer dizer “eleitoralmente aceitáveis”.
Assim, com os nossos impostos, nós financiamos a produção maciça de alimentos quimicamente poluídos; financiamos a poluição dos solos e dos lençóis freáticos; financiamos modos de produção que poucos de nós caucionam. Porque é mesmo o dinheiro dos contribuintes que permite aos agricultores pagar as exorbitantes facturas das sementes híbridas, dos adubos e dos produtos químicos. Os lucros das firmas agro-químicas decorrem em parte destes dinheiros públicos, não desempenhando os agricultores senão um papel intermediário na sua circulação.
Como todos os países que adoptaram estes métodos agrícolas intensivos, os americanos dispõem destes subsídios agrícolas. Sem este importante suporte financeiro dos estados aos agricultores, as multinacionais da agro-química não se teriam tornado as potências económicas que hoje são. Enquanto consumidor e contribuinte em simultâneo, como não se sentir na pele dum carneiro que se deixa tosquiar pacificamente?
Em França, a agricultura biológica representa menos de 8% das superfícies cultivadas. As subvenções que lhe são destinadas são nitidamente inferiores a 8% dos orçamentos. Esta agricultura não só não é encorajada, mas também é penalizada em relação ao modelo intensivo. Sabendo que estas técnicas necessitam de mais mão-de-obra, e que é preciso pagar os controles e certificações, quem irá admirar-se dos preços dos produtos bio?
Sem o apoio dos subsídios, os métodos agrícolas “modernos” já teriam falhado há muito tempo em todo o mundo. Há 40 anos que teriam sido postos em causa, pela simples razão de que não são rentáveis. (…)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Abetarda


Riba-Côa - Perdiz


Hora do folhetim - 46

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A sua intranquilidade tinha diminuído, agora contentavam-se com a espera. O instinto dizia-lhes que tinham ultrapassado todos os obstáculos. Os últimos cinco mil quilómetros até ao Árctico passavam pelas grandes planícies dos Estados Unidos e do Canadá, onde nem montes nem cordilheiras lhes dificultavam a rota, e onde havia alimento até ao exagero. Em caso de necessidade, poderiam fazer este trajecto até casa numa só semana. Por algum tempo sossegara-lhes o impulso migratório. Na melhor das hipóteses, a tundra só estaria pronta para a nidificação dentro de dois meses. Mas isso não o sabiam os maçaricões. Sabiam apenas que, neste começo da primavera, havia muitos insectos nas pradarias do Texas. E sentiam o desejo de ficar.
Esperaram três semanas, durante as quais avançaram menos de cento e cinquenta quilómetros para o interior. Quase todas as noites ouviam passar lá por cima os bandos das aves mais pequenas. Estas não nidificavam no Árctico, mas em reservas muito mais a sul, onde já era primavera. Quando chegasse o momento, os maçaricões fariam numa só noite o que a estas aves custava três.
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quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Cotovia


Riba-Côa - Rouxinol


Planeta-Mãe - 35

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DA AUTONOMIA À DEPENDÊNCIA ENERGÉTICA E FINANCEIRA
Os limites das novas práticas agrícolas intensivas foram rapidamente atingidos. O primeiro foi o económico: o sistema caiu na armadilha do seu próprio sucesso. Sujeitos às leis da oferta e da procura, os novos modos de produção agrícola, largamente excedentários no início, fizeram baixar os preços dos produtos alimentares. Os agricultores viram estagnar ou regredir os seus rendimentos, a despeito do aumento das colheitas. Um absurdo agrícola, uma verdade capitalista. Esta situação engendrou a política das quotas, dos pousios (jachères, set-aside), das indemnizações, dos armazenamentos em massa, e depois das reduções de stocks.
Esta queda dos preços caiu mal nos agricultores, fortemente endividados. Os tractores e as outras máquinas modernas custavam uma pequena fortuna. Tinham investido em terrenos, meios de irrigação, construções necessárias à industrialização da sua actividade, etc. Para os apoiar financeiramente, foram-lhes concedidos subsídios importantes. A nossa agricultura tornou-se a actividade mais subvencionada do país.
Os anos 50 e 60 foram os da emancipação da maior parte das colónias, a par da criação da OPEP. Criada em 1966, esta organização decidia em 1973 fixar os preços do petróleo extraído dos seus países. Para nós foi o “choque petrolífero”. Mas para estes países foi o símbolo duma libertação do imperialismo económico ocidental, e o regresso a uma certa soberania nacional. O mal de uns…
A sorte destes países produtores de petróleo não foi apenas o azar dos consumidores ocidentais; os agricultores foram duramente afectados. Os preços de todos os produtos necessários à sua actividade subiram, ao mesmo tempo que os combustíveis utilizados. (…)
Com os métodos de cultura modernos, são necessários entre 5 e 10 kilocalorias de energia/petróleo para produzir 3 kilocalorias de energia alimentar. Quando o valor da caloria alimentar baixa e a caloria/petróleo aumenta, os agricultores acumulam déficits.
Desde há 40 anos, a maior parte dos agricultores vivem mais de subsídios do que da venda dos produtos da sua produção. O primeiro orçamento da Europa serve para financiar a PAC (Política Agrícola Comum). Em 2005, o orçamento da PAC elevava-se a 116,5 biliões de Euros, ou seja, 43% dos créditos da Europa. No período de 2007 a 2013, o orçamento previsto da PAC é de 862,4 biliões de Euros. Este dinheiro vem da contribuição financeira de cada estado membro. E o dinheiro de cada estado membro vem dos impostos que eles retiram da economia.
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domingo, 6 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Chapim Real

Riba-Côa - Pintassilgo

Hora do folhetim - 45

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Quatro ou cinco horas depois, os maçaricões tinham ultrapassado as aves mais pequenas e voavam sozinhos. De repente o ar tornou-se mais frio e pesado. As asas obtinham mais impulso, e o alísio de leste rodou para sul. Pequenos farrapos baixos escureceram por momentos a lua, nuvens pesadas e negras começaram a acastelar-se, a noite ficou escura e as águas do golfo despareceram lá em baixo, na treva. O vento rodou para leste, mas pouco depois virou de novo, soprando agora de norte com fortes rajadas. Os maçaricões rumaram para oeste, para o terem de lado. Então começou a chover copiosamente, como se uma parede de água se elevasse diante deles.
Depois da primeira bátega de água, o vento e a chuva amainaram um pouco, mas o mau tempo manteve-se durante cinco horas. Só ao nascer do sol é que atingiram céu calmo e transparente. Normalmente continuariam a voar em frente, sobre os charcos e os pântanos salgados da costa do Texas, para depois poisarem, um pouco mais além, nas aluviões das pradarias. Mas o temporal tinha-os esgotado. As rémiges encharcadas colavam-se umas às outras, e já não reagiam adequadamente aos movimentos dos músculos. Logo que alcançaram a costa, desceram sobre a praia, em voo planado.
Havia por baixo deles uma estreita ilha, com dunas de areia e manchas de relva, correndo paralela à costa, ao longo de quilómetros. Durante um ou dois minutos os seus olhos procuraram um lugar onde houvesse alimento. Na areia havia numerosas poças de água, provocadas pela chuva da noite. Bandos de narcejas, obrigadas a poisar pelo temporal, rodeavam estas poças, procurando comida ou alisando a plumagem. Os maçaricões sobrevoaram vários bandos de tarambolas e galinholas, sobre uma duna. Na sua frente havia charcos lamacentos, onde já se encontravam centenas de maçaricões-norte-americanos, que gritaram na sua direcção. Os dois maçaricões abriram as asas e poisaram no meio deles.
Mas só ali ficaram durante o dia. Ao cair da noite partiram sozinhos, e duas horas depois poisaram na pradaria enluarada, cento e cinquenta quilómetros para o interior.
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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Riba-Côa - Poupa

Riba-Côa - Guarda-rios

Planeta-Mãe - 34

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LÓBI SINDICAL E PROPAGANDA
É neste contexto económico, político e legislativo que hoje se situa a actividade agrícola. As lutas de poder são à medida dos desafios. Quem é que ficaria surpreendido ao saber que o principal sindicato agrícola francês, o FNSEA, segue desde os anos 50 a doutrina das empresas da agro-química? Numa visita ao site da Internet da Monsanto França 2006, descobri a nova estratégia de marketing do grupo, respeitante aos OGM:
Para fazer face à poluição dos solos e dos lençóis freáticos, devemos reduzir as pulverizações de produtos químicos; as biotecnologias são a solução para fazer face a este novo desafio do futuro. Cuidando das plantas pela genética, nós preservaremos o ambiente. Protegendo o nosso ambiente, é do Homem que cuidamos”.
Alguns dias depois li num jornal diário a entrevista dum agricultor membro da FNSEA. O seu discurso a favor dos OGM que tinha decidido cultivar eram quasi ipsis verbis o argumentário da Monsanto. Nos finais de 2007, no seguimento duma moratória temporária sobre os OGM, um outro agricultor declarava diante das câmaras da televisão: Pedem-nos para reduzir as pulverizações de pesticidas. Se ainda por cima nos proibirem os OGM, não nos safamos!
Este agricultor tem razão. Com os actuais métodos de cultura intensiva, a fuga em frente da química é inexorável. As doenças e os predadores são cada vez mais resistentes e virulentos. Com as monoculturas de híbridos frágeis, que se estendem a perder de vista, sob um clima que realmente não lhes é favorável, num solo que se torna estéril, são reais as ameaças sobre as culturas. Os agricultores vivem no medo do desastre, que pode ter a dimensão da sua área de cultura ou das suas obrigações financeiras. Mas os tratamentos químicos fazem-se preventivamente. Quando uma doença é detectada, muitas vezes já é tarde. Neste tipo de culturas tudo acontece muito depressa e em grande escala.
Tomados neste círculo vicioso, podemos compreender a confusão dos agricultores. A sua profissão tornou-se uma actividade industrial profundamente ligada à química, à energia, à mecânica, à tecnologia e à finança. Endividados, apanhados pelas exigências do mercado, estão sob pressão. E estão impregnados da lógica produtivista.
Nesta lógica, as regras da Natureza já não fazem lei. Já não se trata de servir a Natureza, para que ela nos dê o que esperamos, mas antes submetê-la, para lhe impor o que exigimos dela. (…)

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Riba-Côa - Abelharuco

Riba-Côa - Papa-figos/Marintéu

Hora do folhetim - 44

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Quando por fim partiram estava escuro, e a lua nova nascia. Nas outras travessias do oceano, os maçaricões e as tarambolas-douradas tinham voado sozinhos. Mas agora tinham companhia, uma vez que outras aves percorriam o mesmo caminho. Duas horas depois, os maçaricões começaram a ultrapassar as aves mais pequenas, que tinham partido mais cedo. A atmosfera vibrava com chamamentos e gorgeios, por todo o lado faiscavam asas prateadas ao luar. Havia rotas mais fáceis, sobre o mar das Caraíbas e o golfo do México. As aves podiam saltar de ilha em ilha, e ter quase sempre terra firme à vista. Mas as ilhas eram minúsculas e ofereciam pouco alimento. Por essa razão, a maior parte delas voava sobre a terra firme centro-americana até ao Yucatán, e dali directamente sobre o golfo, sem qualquer escala.
Os maçaricões ultrapassaram os cucos, que nidificam na Nova Inglaterra, depois os chascos e as pequenas felosas cujas reservas se encontram nos escuros bosques de abetos do norte, em seguida os tordos-americanos que se dirigem ao Alaska, os estorninhos e as escrevedeiras que se espalham pelas pradarias do centro do continente, e finalmente os tangarás-d’asa-negra, para quem a viagem termina já nas costas da Louisiana.
De entre as aves que naquela tarde tinham deixado as praias do Yucatán, só havia uma espécie que os maçaricões não ultrapassavam. Muitos colibris tinham partido também, esses pequenos anões tenazes que não pesam mais que alguns gramas. Iam muito à frente, deixando todos os outros atrás de si. As suas asas minúsculas faziam setenta batidas por segundo. A maior parte das aves precisava de vinte horas para chegar a terra firme norte-americana. Os maçaricões precisavam de dez, e os colibris apenas de oito.
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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Riba-Côa - Cegonha Negra

Riba-Côa - Galinha de água

Planeta-Mãe - 33

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A OMC
A Organização Mundial do Comércio é a vitrina política das multinacionais e do mundo dos negócios. O seu papel é defender as regras do comércio mundial, particularmente as da livre troca. A OMC negocia essencialmente com os estados, para que eles ponham as suas leis em conformidade com as regras do comércio mundial. A organização verifica depois se estas leis são aplicadas nos territórios nacionais. Caso contrário pode impor sanções ao estado infractor.
A França paga todos os anos uma multa à OMC, por desrespeito da lei da livre-troca: continuamos a recusar a carne com hormonas proveniente da América, enquanto não for estabelecida prova científica de perigo para a saúde humana. Esta multa é proporcional à perda de mercado estimada, e o seu montante é entregue às sociedades americanas atingidas por esta perda de mercado. Elas são indemnizadas a título de “prejuízo por lucros potenciais não realizados”. Quantos franceses sabem que uma parte dos seus impostos serve para pagar este tipo de coimas?
É a OMC que pressiona as instâncias europeias para que as regras do livre cultivo dos OGM em campo aberto sejam aplicadas pelos estados membros. Pelas mesmas razões da carne com hormonas, expomo-nos a multas por atentado às regras de livre-troca. De facto, só podemos obter uma moratória sobre os OGM, se dispusermos dum argumento científico irrefutável. Neste debate, a margem de manobra dos políticos é ínfima. O lóbi da Monsanto fez ondas nas fileiras do parlamento. Deve igualmente precisar-se que o actual vice-presidente da OMC não é senão o antigo responsável pelo mercado europeu na Monsanto. (…)
Quando a General Motors entra em falência, fica ameaçado de desaparecimento um utensílio que serve para produzir viaturas enormes. Mas se falir um gigante agro-alimentar, o que fica ameaçado é um utensílio que produz grandes quantidades de alimentos. Já na primavera de 2009 muitos economistas julgaram ultrapassados os limites de intervenção dos estados, e assim os gigantescos salvamentos da economia não poderão multiplicar-se eternamente. Num cenário de bancarrota generalizada, as prateleiras dos supermercados esvaziar-se-ão rapidamente. (…)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Riba-Côa - Pato Real

Riba-Côa - Abutre do Egipto

Hora do folhetim - 43


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10

Março chegara. No Canadá, os piscos-de-peito-ruivo, as felosas-assobiadeiras e os borrelhos-de-duas-coleiras faziam já os ninhos. E na costa do Yucatán reinava a impaciência e a excitação migratória. Quando no inverno acontecia o mesmo, isso não perturbava as aves de arribação. Porém, logo que fisiologicamente se anunciava, o novo ciclo de reprodução apressava-as. Procuravam espaço, pois cada casal queria preservar-se. As andorinhas e os andorinhões-das-chaminés, que se alimentavam em voo, viajavam de dia e seguiam calmamente a costa mexicana para norte. Mas a maior parte das aves juntava-se na península do Yucatán, e ali se acumulavam, como um rio que encontra um obstáculo no leito. Esperavam e juntavam forças, até que, numa noite de vento favorável, levantavam na escuridão do crepúsculo e avançavam para o vasto golfo do México.
Após dois ou três dias de calmaria, uma tarde o vento levantou-se e a impaciência apoderou-se das aves. Os tordos e os estorninhos iniciavam pequenos voos ao rés da água, experimentavam o vento e as asas e voltavam para trás. Para os maçaricões, a etapa de oitocentos quilómetros sobre o golfo era para fazer numa noite. Mas para as pequenas aves canoras, que voavam duas vezes mais devagar, esta era a etapa mais difícil de toda a viagem. Por isso tinham que escolher o momento da partida com especial cuidado. Durante a tarde, muitas já não regressavam dos seus voos de ensaio. Elevavam-se no ar, pairavam sobre a rebentação e avançavam para o mar alto, até serem apenas pequenos pontos negros, que desapareciam finalmente no azul do céu. Ao pôr do sol reinava um estranho sossego na praia. Só os maçaricões e um par de narcejas tinham ficado para trás.
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Riba-Côa - Grifo